sexta-feira, 12 de junho de 2009

Como é bela a vida no campo....


Estamos aqui a falar de arqueologia.... sim, caro leitor: arqueologia. De qual campo estava esperando ouvir?

Dos belos campos cheios de flores e odores primaveris?

Não, não...

Falaremos do trabalho no campo... do trabalho de campo... dos dias ensolarados e também dos frios e umidos invernos no campo... mas principalmente dos efeitos devastadores do convívio mútuo entre indíviduos... das pesquisas, das descobertas, das surpresas...

Quando se vai ao campo, já de antemão se sabe que o trabalho do arqueólogo não é fácil, nem simples, nem leve... mas sim, muito difícil, complicado... exige atenção e um exercício duplo de mente e corpo, pois não se faz um pesquisa arqueológica sem o corpo... envolvido nela como um todo, mental e fisicamente, pois nosso documento está escondido debaixo da terra, no meio de lama, raízes, pedras...

Desse emaranhado de coisas, tem-se de extrair saberes, conhecimentos sobre o passado de gente que viveu e interagiu naquele ambiente, naquele lugar, e deixou marcas, no espaço, na paisagem... marcas humanas, lixo, destroços, coisas velhas, jogadas fora ou abandonadas por algum motivo, que durante a pesquisa tentamos desvendar.

O trabalho no campo envolve muito mais do que catar caquinhos, recolher pedrinhas.... envolve pensar sobre tudo e sobre todos que ali passaram , inclusive os arqueólogos...

Sim, pois no momento em que colocamos nosso corpo junto aos objetos e as paisagens no presente momento, passamos a fazer parte do 'documento', passamos a nos integrar aos 'vestígios do passado', e trazê-los para o presente, para os nossos dias, desenterrando gentes, coisas e memórias...

Além desse exercício, já arduo de pensar a arqueologia, pensar no que esses pedaços de passado humano tem a dizer sobre os homens, mulheres, crianças que viveram alí, que marcaram a terra com seus passos, com suas ações, temos o convívio entre os membros da equipe... sim, pois é uma pesquisa coletiva... arqueologia não se faz sozinho, nunca... impossível trancar-se em um gabinete e lá em meio a papéis velhos e uma lupa, ficar absorto no passado... arqueologia se faz no presente.... e se faz com gente, do passado e do presente... uma equipe de profissionais de áreas diferentes inclusive... o arqueólogo, seus alunos, outros arqueólogos, topógrafos, geógrafos, biólogos, enfim... pessoas que contribuem para o entendimento desses documentos sem escrita, mas com tanto conteúdo, que são os objetos, o lixo, as coisas deixadas para trás, em um cotidiano antigo...

Esse convívio pode ser pacífico e tranquilo, como pode ser tumultuado e agitado... depende do grupo... depende das pessoas...

E aí, mais uma vez o corpo é parte da pesquisa, parte da construção do conhecimento científico... pois as amizades, as inimizades, as simpatias e as antipatias entre os membros da equipe vão dando as dimensões do trabalho de campo... do recolhimento dos elementos que vão compor o discurso sobre o passado... pois falamos sobre pessoas, mas também somos pessoas, e como as do passado, temos sentimentos, angustias, incertezas... compartilhamos ideias, trocamos opiniões e ao fim temos de chegar a conclusões.... ou pelo menos algumas considerações para finalizar a pesquisa e a construção desse passado que nos propomos analisar.

Mas, além das pesquisas propriamente ditas... o convívio vai além do trabalho... como a equipe tem de viver debaixo do mesmo teto durante os dias de campo... que as vezes duram muitos dias.... o convívio passa a ser uma vivência constante, onde as pessoas trocam não só idéias cientificas, mas pessoais...

É comum saber os gostos dos companheiros de campo, saber o que bebem, o que leêm, qual o tipo de cueca e de calcinha preferido pelo companheiro de trabalho.....

Isso dá uma dimensão enorme ao modo como as pesquisas serão desenvolvidas... pois cada 'gosto', cada momento de descontração, onde a equipe se reune pra beber vinho e contar piadas... vai criando um ambiente mais amalgamado.... e as idéias vão se compactuando... se tornando mais conectadas... vai se criando uma rede, onde o conhecimento de áreas diferentes e afins conseguem deixar suas caixinhas individuais e serem finalmente pensadas como um todo...

É assim a arqueologia... e assim, no campo... os campos da idéias se entrelaçam....

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