domingo, 11 de outubro de 2009

Coisinhas de surf... cultura material e identidades....


Engraçado, estava a ler um texto que há tempos passei pra um aluno, na disciplina de antropologia que ministrava na FACOS, onde os autores, Diego Moritz Andrade e Nicolas Caballero Lois, (o texto chama-se: REMANDO PARA O SUCESSO: O Marketing esportivo através do surfe) ambos cursando uma especialização em marketing, apresentavam o surf e a indústria do surf como portenciais para a indústria e o marketing.

Meu aluno, na época, escrevia um artigo a meu pedido, para a finalização da disciplina, e seu tema era exatamente o surf, e não apenas o esporte, mas a cultura do surf no Litoral Norte do Rio Grande do Sul. Ele pesquisava os surfistas das praias do Litoral Norte, suas expectativas, as diferenças de surfar naquele mar gaúcho, onde as ondas são quebradas e o mar aberto com ventos constantes proporcionam um tipo específico de praticantes, diferenciados dos catarinenses que têm uma paisagem mais apropriada para a prática do esporte. Mas, que assim mesmo, esses surfistas gaúchos não se rendiam as boas ondas do Estado vizinho, e assim mantinham uma identidade própria e uma cultura do surf ligada a essas paisagens vistas como 'bravias', então sendo tipos mais 'machos', corajosos e destemidos por enfrentarem esse mar pouco amistoso....

Passei o texto citado acima para meu aluno, pois este contém um histórico - um tanto simplificado, mas em bom termo - das práticas do surf, e como este esporte depois de discriminado por muito tempo, foi ocupando gradualmente um espaço na mídia e principalmente criando uma cultura onde a moda e os objetos ligados ao surf foram sendo incorporados por um público cada vez maior, que envolve não apenas aqueles que praticam tal esporte, mas também adeptos e simpatizantes de todas as idades e genêros...

Agora, relendo o tal texto, me deparei com mais alguns elementos que me chamaram a atenção: os objetos falando de história.

Nossa, como os objetos estão presentes na história do surf e de seus praticantes.... eles contam a história, sem eles não haveria história.

Desde os velhos tempos, quando nativos das ilhas do Pacífico deslizavam sobre as ondas em cima de tábuas, e assim marcavam sua identidade, já que isto não era feito por esporte como hoje, mas era um ato de status, era uma atividade relacionada a nobreza local dessas ilhas, e marcava o lugar social dos praticantes.... bem como tinha significados rituais ligados a fertilidade.

Já nesse tempo, os objetos estavam ligando pessoas, agindo e interagindo nas práticas culturais e sociais dessas pessoas.

Outros significados foram sendo incorporados a velha prancha de madeira, com a advento da colonização européia nas ilhas... a prática do surf se ampliou e ganhou novos adeptos... novas coisas foram sendo incorporadas ao seu aparato de significados e objetos....

Hoje, um esporte, e mesmo assim recheado de significados multiplos. Mais objetos indicam a sua prática e a sua ideologia. Hoje, roupas, música, cortes de cabelo, posturas, adereços, enfim... uma gama incrivelmente grande de objetos e substâncias estão relacionadas à pratica do surf, ou simplesmente a um grupo de pessoas que se identificam com as paisagens do mar, da praia, do calor do sol....

Isso tudo 'fala' uma história... é cultura, feita material....

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O Contágio das matas continua....


Incrível como as notícias aparecem e depois desaparecem da mídia!!!

Em Julho de 2008, esta matéria da Carta Capital chamou a atenção, por trazer denúncias tão graves a respeito da atuação de ações missionárias junto a povos indigenas que vivem em pontos remotos da Amazônia. Havia na época um mandato de expulsão desses missionários da área indígena... e deveria também haver algum tipo de processo para esclarecer os atos criminosos que estavam sendo acusados.

No entanto, neste ano de 2009, nada mais se sabe sobre o caso... Será que a Jocum saiu da área Sorowahá?

Não sei, mas que eles continuam no Brasil isso sim... inclusive atuando em outras áreas indígenas no norte do páis.

O gasoduto Urucu- Porto Velho ainda está sob diligencia... a Petrobrás insiste em dizer que mesmo atingindo áreas de preservação da Amazônia, não haverá dano ambiental?!!!

A FUNAI e FUNASA, continuam inoperantes... (nenhuma novidade até aqui)

E quanto ao famigerado filme que apresenta o infanticídio na aldeia Sorowaha, (divulgado amplamente pelos missionários da Jocum e apresentando os índios como criminosos) este ainda causa discussões polêmicas e faz aumentar o preconceito da sociedade cristã-ocidental em relação aos indígenas, vistos como selvagens.

Infelizmente, parece que houve um barulho para conter a ação desses missionários dentro das aldeias indígenas, mas não passou de barulho mesmo... eles continuam aí, os indígenas atacados por eles continuam sofrendo a ação dominadora dessas entidades que ainda hoje percebem as diferenças socio-religiosas como demoniacas e animalescas... a catequese forçada continua sendo a forma básica de atuação e desestruturação social...

Ainda vivemos num país colonial....


CARTA CAPITAL


Contágio nas matas

Amazônia - Há cinco anos, o Brasil tenta tirar uma ONG dos EUA de áreas indígenas


Por Felipe Milanez


Numa área pouco povoada entre os rios Purus e Juruá, dois grandes afluentes da margem direita do Amazonas, próximo à cidade de Lábrea, a aldeia suruwahá vive um drama que ameaça levá-la à extinção.

Localizados em meio a um mosaico de 24 terra indígenas, próximo ao gasoduto Urucu-Porto Velho, os suruwahá têm convivido com uma onda de suicídios atribuída ao contato com os brancos. Diante da ausência do Estado, eles dependem exclusivamente de uma missão evangélica norte-americana, a Jocum (Jovens com uma Missão), que há anos mantém contato com os índios, levando a "palavra do Senhor".

Há mais de cinco anos o Ministério Público e a Funai tentam retirar os missionários, a quem atribuem uma série de ilegalidades. Documento interno da Funai, ao qual Carta Capital teve acesso, intitulado Missão: o veneno lento e letal dos suruwahá, reúne graves denúncias contra a Jocum. Assinado pelo indigenista Antenor Vaz, da Coordenação Geral de Índios Isolados da Funai, acusa a missão de proselitismo religioso, evangelização e desestruturação da comunidade suruwahá, hoje às voltas com uma onda de suicídios.

Entre as acusações, a de escravizar indígenas, extração ilegal de sangue dos índios, contrabando de sementes, construção de pistas de pouso clandestinas, uso de radioamador pirata, venda ilegal de madeira, remoção de indígenas de seu território sem autorização da Funai, adoção suspeita de crianças, realização de expedições veladas em busca de aborígenes isolados e o uso indevido de imagens dos suruwahá. Também é acusada de incitar os índios contra os representantes do Estado brasileiro, no caso a Funai e Funasa. Os funcionários das duas fundações têm sido ameaçados de morte.

"É uma atuação muito complicada. Eles fazem o que querem sem prestar contas a ninguém", afirma o presidente em exercício da Funai, Aloysio Guapindaia. Os missionários são os únicos a falar a língua dos suruwahá. E resistem a sair com o argumento de que os índios desejam sua companhia. A Jocum, junto com outras entidades evangélicas, como a Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), e a Sociedade Internacional de Lingüística atuam intensamente na maioria dessas aldeias. Contam com a logística necessária para fazer a mediação cultural com os índios e controlar o fluxo de pessoas. E também com o respeito dos nativos, complicando o trabalho dos funcionários da Funai, que estão longe de deter o controle do território dos suruwahá. Na verdade, até bem pouco tempo atrás, a Funai contava com apenas um funcionário para atender toda a região. Recentemente, contratou-se outro. Em maio de 2003, o então procurador da República no Amazonas Sérgio Lauria Ferreira determinou a expulsão dos missionários da Jocum e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à Igreja Católica. Até hoje a Jocum se nega a sair e impõe condições. A ONG evangélica também está na mira da Secretaria Nacional de Justiça, do Ministério da Justiça. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) considera que a Jocum "ameaça identidade étnica e interfere na 'cosmodivisão' dos índios, por introduzir rituais religiosos e entidades místicas estranhas à cultura suruwahá.

Presidente da Jocum, Bráulia Ribeiro nega as acusações, ao justificar por que se recusa a sair da terra indígena. "Somos parte da família dos índios. Nosso papel é promover o bem-estar. Não pregamos religião, mas os índios têm o direito de ouvir e escolher se querem se evangelizar. A pregação é pelo relacionamento, no convívio", afirma a missionária. A Jocum consegue manter uma equipe na aldeia, transportada em hidroaviões e aeronaves. Estas utilizam pistas de pouso construídas em associação com outras missões, em aldeias próximas às do suruwahá, como a dos deni. Criada pelo pastor fundamentalista norte-americano Loren Cunningham, em 1960, a Jocum chegou ao Brasil em 1975. Entrou em contato com os suruwahá em 1984, com a justificativa de proporcionar assistência médica aos indígenas. A avaliação da Funai é que a assistência é ineficiente e funciona apenas como álibi para a evangelização.

Desde o primeiro contato da Funai com os suruwahá, em 2000, ficou claro que alguma coisa estava errada na aldeia, conta Izac Albuquerque, o primeiro funcionário a alcançar a área. "Assim que cheguei, um grupo me cercou. Apontavam flechas envenenadas, me ameaçavam. Eles falavam que não gostavam da Funai, que a Funai matava e fazia tudo de ruim". Mais tarde se deu conta de que a recepção hostil tinha sido inflada pelos missionários. Para o Ministério Público Federal, as duas missões, evangélica e católica, são irregulares e devem retirar-se. Rivais, as duas entidades trocam acusações. O Cimi deu início às denúncias contra a atuação da Jocum, há dez anos, acusando-a de espalhar a gripe na região. Para se aproximar dos indígenas, a Jocum contara com um casal de missionários Edson e Márcia Suzuki, que aprenderam a língua. Em seguida, começaram a traduzir para o suruwahá conceitos cristãos e a intensificar o processo de evangelização. Foi nesse ponto que o Cimi denunciou a ação da Jocum. O que as missões não esperavam enfrentar é um drama ainda maior, no caso dos suruwahá em relação a outros povos, ainda não compreendido: o altíssimo índice de suicídio. Os suruwahá morrem voluntariamente. A taxa de suicídio de 8% ao ano é impressionante. No contrafluxo da tendência nacional, a população suruwahá está caindo nos últimos anos. Hoje são 137, em 2004 eram 145. Para o antropólogo João Dal Poz, que pesquisou o tema do suicídio entre os suruwahá, esse distúrbio tem origem em uma dinâmica de transformação sociológica, do modo de vida desse povo após a chegada dos brancos na região. Eles cultivavam uma relação belicosa e complexa com seus vizinhos, nutrida por magias e feitiçarias. "Sempre houve suicídio, mas nunca numa taxa tão alta. Parece-me que são reflexos da guerra religiosa entre católicos e evangélicos, instaurada inclusive entre as lideranças locais. Eles tentam se matar e muitas vezes se matam por qualquer bobagem", afirma Dal Poz. A análise da pirâmide demográfica atualmente é assustadora: não há adultos homens entre 45 e 60 anos. Para o Cimi, a Jocum e o descaso do governo federal são os maiores responsáveis. "É provável que esse aumento dos suicídios tenha a ver com as constantes saídas dos índios para as cidades, promovidas por alguns missionários evangélicos com o apoio da Funai e da Funasa", diz Josefa Alves, do Cimi. Ela defende o contato dos suruwahá com outro indígenas, o que os ajudaria a superar o etnotrauma, como define, decorrente do contato com seringueiros desde os anos 1980. Para a Jocum, a saída passa necessariamente pela "salvação religiosa". Os índios estão dominados por demônios e precisam "encontrar Jesus", como diz Bráulia Ribeiro. Por esse motivo, missionários da Jocum começaram a fazer rituais de exorcismo dentro da aldeia. O Cimi sustenta que a missão evangélica trouxe da Nova Zelândia dez xamãs da etnia maori, cujos rituais desagradaram aos pajés locais, que se sentiram desprestigiados.

Bráulia revida para afirmar que quando os índios são retirados das aldeias sempre há o consentimento da Funai e da Funasa. Os dois órgão negam. Mas a questão se tornou ainda mais emblemática em 2005, quando os missionários levaram para tratamento em São Paulo as pequenas Iganani e Sumawani, que, segundo eles, conforme costumes locais, seriam assassinadas por apresentarem deficiências físicas. Levaram também os pais da última, Kusiama e Naru. Diante da repercussão, dirigentes da Jocum tiveram de depor em audiência pública na Câmara dos Deputados, em Brasília, para explicar a retirada sem autorização das crianças da aldeia. Conseguiram angaria a simpatia de alguns parlamentares. Em Rondônia, onde a Jocum também é bastante ativa e mantém sua sede, a Associação do Povo Uru-eu-uau-uau, da região do rio Jupaú, denunciou que os missionários estariam comercializando sementes de mogno para o exterior ilegalmente. Para a Jocum, tratava-se de uma operação ligada a um convênio que seria firmado com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). A Embrapa não confirma a informação. "Nossa expectativa é que se avaliem as práticas do Cimi e a da Jocum e se identifiquem quem faz agressões culturais e comete ilegalidades. Não se trata de duas missão religiosas disputando espaço", afirma Francisco Loebens, coordenador do Cimi Norte, com atuação na região amazônica. Alguns anos atrás, três jovens missionários da Jocum - Júlio Nova, Nilson Carvalheiro e Nivaldo Carvalho - foram apanhados no meio de uma expedição ilegal. Tentavam estabelecer contato com o povo isolado hi-merimã, próximo aos suruwahá, contrariando a política da Funai de evitar o contato com os povos isolados.

A dinâmica da evangelização surpreende, ao se referir a temas inusitados. Há relato de um jovem suruwahá que ora para Jesus pedindo boas caçadas. "Um rapaz novo fez isso e matou, num só dia, as duas primeiras antas de sua vida. "No documento da Funai, há relatos variados de interferência cultural. Vizinhos dos suruwahá e também falantes da língua arawa, os banawa tinham o costume de abandonar o lugar onde moravam sempre que uma pessoa morresse. Após a morte, enterravam todos os haveres do morto, para que seu espírito não amedrontasse os vivos. Só a morte de uma velha banawa acabaria com a maldição. Certa vez, uma missionária da Jocum, conhecida por Fátima, depois do enterro, convenceu os indígenas de que se todos ficassem rezando a Deus o espírito da falecida não voltaria. Segundo o relato da Funai, os índios ficarm rezando a noite toda. Para a missionária, foi a oportunidade de fazê-los sentir "o poder de Deus e a sua superioridade". Diante da diversidade de povos indígenas próximos e da presença rarefeita da Funai, o antropólogo Dal Poz sugere analisar em termos genéricos a presença das missões na região. "A atuação dessas missões vincula-se aos objetivos ideológicos dos fundamentalismos evangélicos norte-americano, em seus esforços de evangelizar e converter os índios." Débora Duprat, subprocuradora-geral da República, concorda que a gravidade da questão se deve à ausência do Estado na Amazônia. "Várias comunidades são assediadas pelas missões. E neste caso dos suruwahá os missionários têm efetivamente o domínio, inclusive espiritual do grupo", afirma. A procuradora está preocupada com a repercussão que o filme lançado recentemente pela Jocum poderá causar. Hakani: Incinerado Vivo - A história de um sobrevivente chocou antropólogos e indigenistas no Brasil pelo forma como os índios são retratados. Dirigido por David Cunningham - filho do fundador da Jocum - , o filme conta a história da menina Hakani, sobrevivente a uma tentativa de infanticídio. Seus pais e alguns parentes teriam se suicidado por causa disso. Hakani foi entregue aos missionários e com eles vive até hoje. Trata-se de um libelo contra o que os antropólogos e a própria Funai vêem como um elemento da cultura suruwahá. Para a procuradora, cabe uma ação de danos morais pela forma como os povos indígenas são tratados. "Denigre a imagem dos índios, acirra os preconceitos e usa-os para uma batalha da Jocum, que é a aprovação de uma lei despropositada que criminaliza a prática de infanticídio."Em seu blog, o ex-presidente da Funai Mércio Gomes considerou o filme "criminoso". E pediu que se fizesse uma denúncia para a "Polícia Federal, o Ministério da Justiça, a Secretaria de Direitos Humanos, a Funai, o Supremo Tribunal Federal e todas as instâncias judiciais, jurídicas e éticas do Brasil". A Funai diz que investiga o caso e estuda medidas judiciais contra a Jocum.

A expulsão da missão evangélica da terra indígena é dada como certa, mas já se passaram cinco anos desde que o Ministério Público Federal se pronunciou nesse sentido. O MP alega que o grupo indígena vive uma situação de vulnerabilidade, pelo contato recente. "A Jocum manipula os índios, coloca-se como amiga. Mas é um discurso para fora, na verdade os missionários desqualificam os índios, tratam-nos como selvagens, são preconceituosos", afirma Rodrigo Lines, que cobra da Funai a retirada dos missionários e defende a adoção de um programa de proteção. O temor geral é que ocorram novos suicídios caso a missão saia. "Se for preciso, vamos buscar uma medida mais enérgica entrar com uma ação, cobrando multa e medidas coercitivas. Isso em última instância, para não azedar e dificultar ainda mais a relação de confiança que a Funai e a Funasa devem estabelecer com os indígenas", diz Lines. Com a saída da Jocum, a Funai retomaria o controle da área para aplicar o modelo de atuação implantado junto ao povo zoe, visto como exemplar pela fundação. Os zoe viveram momentos parecidos, mas sob o domínio de outra missão, a MNTB, já expulsa. Agora, a Funai percebe uma situação mais tranqüila, com recuperação demográfica e bem-estar social, sob a supervisão do indigenista João Lobato, nos mesmos moldes das operações realizadas pelos irmãos Villas-Boas. De acordo com o presidente em exercício da Funai, Aloysio Guapindaia, enquanto a Funai for fraca, não haverá muito a ser feito, e o Brasil terá de conviver com esse tipo de ameaça à soberania política. "A sociedade tem de ter como objetivo a reestruturação do órgão indigenista", afirma. Hoje, caso a Petrobrás pretenda discutir os impactos do gasoduto Urucu-Porto Velho com os índios suruwahá, terá como interlocutora uma Funai "surda", incapaz de consultar os índios por sua conta, ou se submeter à tradução dos missionários evangélicos de uma organização norte-americana. Em terras da União, em pleno território amazônico, cuja soberania nos últimos tempos tem inflamado tantos ânimos.


Fonte: Carta Capital - edição 505 - 18 de julho de 2008

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Guerra por almas...


Essa matéria é do ano passado, mas ainda hoje a situação não ficou definitivamente resolvida, e tão cedo não será.... Os missionários e as Igrejas estão encravados dentro das áreas indígenas e infelizmente, ainda são os veículos que mais tem acesso e mobibidade dentro das comunidades, mesmo as mais isoladas...

A presença e as ações dos missionários continuam, como nos tempos da conquista e colonização do Brasil, a serem as formas mais eficazes de dominação e oferecem através do paternalismo, medidas para abrandarem as miserias e a pobreza dentro dos povoados. Mas, em troca de pão eles lhes levam a alma....


A guerra pelas almas
Data: 24/07/2008

Veículo: CORREIO BRAZILIENSE - DFEditoria: BRASIL Jornalista(s): Leonel Rocha
Assunto principal:
CIMI FUNAI INDÍGENAS ÍNDIO


Projeto de lei criado por evangélicos busca criminalizar o infanticídio nas tribos. Para especialistas, proposta é reflexo da atuação de entidades que tentam converter os índios ao cristianismo sem respeitar sua cultura


Leonel Rocha
Da equipe do Correio

A disputa entre católicos e os vários segmentos evangélicos chegou à taba. O Projeto de Lei nº 1057, que considera criminosa a pessoa que praticar ou conhecer e não denunciar o infanticídio indígena, é a parte visível da guerra pelas almas dos índios brasileiros. Prevista para ser votada no segundo semestre pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados, a proposta divide religiosos, indigenistas e antropólogos sobre a prática de alguns povos que sacrificam crianças portadoras de necessidades especiais e comprometimento cerebral, entre outros casos. A disputa para cristianizar os índios coloca, de um lado, missionários católicos e, do outro, alguns segmentos evangélicos que patrocinam o projeto.
Apresentado no ano passado pelo deputado evangélico Henrique Afonso (PT-AC), o PL não tem data para ser votado no plenário da Câmara. Há uma semana, uma manifestação no Congresso levou grupos de militantes evangélicos de várias denominações a reivindicar a aprovação da lei. O parecer da deputada Janete Pietá (PT-SP) descarta a criminalização do infanticídio indígena. Pietá optou por um texto, ainda a ser votado na CDHM, prevendo a criação de um conselho tutelar indígena e a adoção de uma campanha educativa para evitar o infanticídio, ainda mantido por povos como os Suruwará. Eles vivem entre os rios Purus e Juruá, no Amazonas, e consideram a morte de crianças um instrumento de controle de natalidade. A prática foi tema do filme Hakani, produzido pelo escritório brasileiro da organização evangélica Jovens com um ideal (Jocum), como parte de uma campanha internacional pelo fim do infanticídio nas tribos.
Batalha
A disputa pelas almas dos Suruwará motivou uma batalha judicial entre católicos e evangélicos. Em contato com os índios desde 1980, há cinco anos o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), da Igreja Católica, entrou com uma representação no Ministério Público Federal contra a atuação da Jocum na aldeia. A representação foi motivada por um "diário de campo" deixado pelos evangélicos na aldeia e encontrado por missionários do Cimi. Segundo a entidade, o texto continha uma doutrina que considera as religiões indígenas uma manifestação demoníaca, o mesmo princípio usado historicamente pela Igreja Católica desde o Descobrimento e abandonado na década de 1960. A Procuradoria da República em Manaus conseguiu que a Justiça determinasse a saída dos missionários da Jocum da aldeia. Mas a organização resiste em deixar a área, alegando que está ali para combater o sacrifício de crianças doentes.
"Qualquer religião é perversa com os indígenas. Os missionários tentam colonizar os índios impondo o pecado e o medo do inferno", critica Gersem Baniwa, doutor em antropologia e indígena que viveu até os 10 anos na aldeia Yakirana, no Amazonas. "As religiões ocidentais surgiram para dominar cultural e espiritualmente o mundo e também os índios. É o imperialismo religioso que acaba com a convivência coletivista das aldeias", lamenta. Entre as conseqüências da atuação religiosa nas aldeias está a mudança de hábitos e rotinas dos indígenas. Uma delas é a guarda de um dia de descanso depois de uma semana de trabalho, como está na Bíblia. Poucos índios adotam o calendário ocidental, mas alguns grupos estão sendo convencidos a adiar pescarias ou caças por ser sábado ou domingo.


Arsenal
Para transformar índios em cristãos, católicos e evangélicos não medem esforços. Montaram um arsenal para a tarefa. Fundado na década de 1970, o Cimi conta com cerca de 350 missionários padres e leigos, possui rádio, revista e jornal. Os evangélicos fundaram a Associação de Missões Transculturais Brasileiras (AMTB), que reúne 600 missionários e abriga diferentes entidades. A organização da AMTB, que tem 25 agências entre os índios brasileiros, chega ao detalhe de fazer um levantamento sobre quais tribos já foram evangelizadas e quantas ainda estão isoladas. A ONG detalha em seu site quais etnias possuem a Bíblia completa no próprio idioma e define como objetivo levar os princípios evangélicos a 120 outros povos. Na internet, a AMTB chega a oferecer a adoção de vários povos que, segundo eles, não conhecem a palavra de Deus.
Nessa guerra, evangélicos e católicos apresentam estratégias diferentes. O antropólogo e pastor presbiteriano Ronaldo Libório, um dos coordenadores da AMTB, nega que os missionários da associação obriguem os índios a adotarem o cristianismo como religião, abandonando suas culturas. Segundo ele, os valores do evangelho não são incompatíveis com nenhuma sociedade humana, muito menos os índios. Revela que, no processo de conversão dos indígenas, há batismo, mas ressalva que a principal atividade dos missionários é aliviar o sofrimento dos povos das florestas com a implantação de projetos sociais nas áreas de saúde e educação.
Já os missionários do Cimi não consideram o infanticídio uma prática selvagem dos índios e defendem que essa cultura tem lógica nas aldeias com pouco contato com a cultura ocidental. "Não podemos tratar os índios que têm essa prática como bandidos", argumenta Saulo Feitosa, secretário adjunto do Cimi. A entidade inaugurou há alguns anos um novo método de evangelização. Não batiza as crianças indígenas e aceita a teologia e os rituais dos diversos povos. Os católicos adotam o que chamam de "missão calada" e esperam que só com o exemplo possam conquistar almas dentro das florestas.
O proselitismo cristão nas aldeias assusta estudiosos e indigenistas. O antropólogo Rubem Thomaz de Almeida defende que o governo estabeleça regras para a entrada e permanência dos missionários nas aldeias. "Os missionários católicos adotam a educação clássica como método de dominação política. Os evangélicos impõem proibições que impedem o diálogo cultural com os índios", analisa. O ex-presidente da FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO (FUNAI), Mércio Pereira, defende a saída dos missionários da convivência direta com os indígenas. Ele entende que, antes da Bíblia, os índios deveriam ter uma educação formal laica para evitar práticas como o infanticídio, por exemplo. "O que esses missionários cristãos querem mesmo é salvar as próprias almas", critica.
"Os missionários tentam colonizar os índios impondo o pecado e o medo do inferno" - Gersem Baniwa, antropólogo
"O que esses missionários cristãos querem mesmo é salvar as próprias almas" - Mércio Pereira, ex-presidente da FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO (FUNAI)


Por um novo modelo
O movimento evangélico indígena vai ganhar uma nova força em setembro e pode mudar de cara. O Conselho de Pastores e Líderes Evangélicos Indígenas (Conplei), entidade criada em 1990 e dirigida por representantes de vários povos, vai realizar, em setembro, no Amazonas, o sexto congresso da instituição para definir o modelo de cristianismo evangélico que será pregado nas aldeias. A Bíblia será difundida sem a participação de missionários "ocidentais". "Defendemos o intercâmbio cultural e religioso, com respeito às nossas tradições e uma evangelização contextualizada à nossa vida", explica Eli Ticuna, militante evangélico, teólogo e estudante de mestrado em administração.
O conselho funciona como uma supra-organização nacional de índios evangélicos, espécie de concorrente direto do Conselho Indigenista Missionário(CIMI), da Igreja Católica. Um dos principais objetivos é evitar a forma de atuação de pastores evangélicos que não pertencem às aldeias. "Queremos uma igreja com a cara do índio, que respeite a nossa diversidade cultural e não nos imponha conceitos", define Eli. O diálogo proposto pelo Conplei é mais fácil com as denominações evangélicas do que com os católicos.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

A PAISAGEM COMO CULTURA MATERIAL: ANÁLISE DE MAPAS E DESENHOS GUARANI COMO FONTE PARA ENTENDER A TERRITORIALIDADE


Um dos documentos utilizados em minha pesquisa são os mapas e desenhos das aldeias Guarani, produzidos por professores e alunos nas escolas indígenas desse povo. Aqui apresento uma dessas imagens e/ou desenhos que estão publicadas num livro utilizado em algumas das escolas indígenas no sul do Brasil. Alguns desses desenhos são feitos por alunos, e figuram estampados nas paredes destas escolas.
Muitas coisas podem ser percebidas através destas representações do espaço, feito pelos Guarani. Desde uma idéia de lugar, até a orientação dada à estes mapas. Pode-se perceber que eles são desenhados em sua maioria de forma tridimensional e numa visão plana, a partir do chão.
Uma imagem pode dizer tantas coisas a respeito de quem a produziu, e assim, não é diferente com relação aos mapas produzidos pelos Guarani. Nesses desenhos é possível notar a percepção de espaço produzida por eles, com uma perspectiva muito própria da comunidade.
Como estes desenhos são produzidos para uso didático nas escolas indígenas, eles não foram feitos para mim, com o objetivo de uso na minha pesquisa, mas eu estou me apropriando dessas imagens, buscando nelas informações produzidas através do discurso indígena, construído internamente, já que este livro, onde estão impressas as imagens, assim como os desenhos expostos nas salas de aula, não são veiculados fora das aldeias, pelo menos não é esse seu objetivo.
Há elementos presentes nos mapas que são comuns a todas as comunidades, bem como aqueles que são bastante particulares. E essas semelhanças e diferenças são parte importante para a compreensão do ‘lugar’ elencado pelos Guarani das diferentes aldeias, já que apontam importantes contextos de sua territorialidade e daquilo que prezam como patrimônio comum ao grupo.
Esses documentos a principio não eram tão importantes pra mim, foi ao longo do desenvolvimento da pesquisa que eles foram se mostrando mais e mais interessantes, e algumas questões vindas de minhas indagações começaram a encontrar possíveis respostas através desses mapas e desenhos. Daí em diante, começo a dedicar maior atenção a essas representações.

Assim, como aponta Ginzburg, a abertura que o pesquisador dá aos documentos pode dar vazão à vozes não ouvidas, caso se tenha um objeto muito fechado. Bem como pensar no lugar que esses documentos irão ocupar dentro da problemática da pesquisa, já que é a partir dela que esses documentos ganham corpo e estrutura no decorrer da construção do meu discurso. No caso desta pesquisa junto aos Guarani, meu principal documento seria a etnografia, já que, se pretendo compreender as categorias patrimoniais dos Guarani, vou precisar conviver e observar a forma como eles organizam e classificam a memória e a cultura, principalmente os objetos que demonstram cultura. No entanto, há outros documentos, que já vem sendo produzidos com este objetivo, pelos próprios representantes desse povo, e que estão entrando cada vez mais no bojo das minhas análises por trazer outras análises internas, feitas pelos próprios Guarani sobre a sua Memória e cultura material.
Os Guarani têm apresentado um interesse muito grande em contar sua história aos ‘outros’, seja oralmente, seja através de livros, em geral editados para as escolas indígenas e outras instituições relacionadas a elas. Um dos recursos utilizados são esses desenhos que constam nos livros didáticos da escola indígena, e que apresentam uma série de objetos relacionados ao escopo cultural do grupo, a organização social e aos ritos religiosos. Esses objetos são também utilitários e muitas vezes ficando difícil distinguir as suas funções apenas pela forma, pois o que vale na hora de entender a função desse objeto é a história que ele traz internalizada. Depende do ‘pra quê’ foi feito, de quem o utiliza, com que finalidade, que pode ser imediata ou reorientada posteriormente.
A representação gráfica é uma forma de externalização dos significados e dos signos dos objetos reconhecidos pelo homem como parte de seu cotidiano.
E essas formas de expressão que se delineiam através de desenhos de coisas e lugares, podem muito bem ser entendidas como apresentações mitológicas as quais as crianças da escola estão familiarizadas, pois estes são cotidianamente contados pelos ‘velhos’ como histórias, que se apresentam aos olhos e ouvidos das gerações mais novas como uma ’história Guarani’, seu jeito de entender e explicar as coisas que povoam seu mundo vivido.
No caso desses mapas aqui análisados, a idéia parece ser um tanto diferente. Não estão aqui, na maioria deles, representadas as formas ideais da Terra de Guarani, mas a forma como este território se apresenta atualmente, com suas delimitações geográficas e os objetos que estão dentro desse lugar (casas, açudes, plantações, escola, etc....). No entanto, não deixam de ser representações do real, uma maneira que os Guarani vêem seu território, ou pelo menos o território da aldeia e seus arredores.
Um outro elemento que me chama a atenção nesses desenhos, são os recortes feitos na paisagem. Eles estão se referindo a aldeia, que é o foco central, mas há em muitos deles os arredores e aí temos que perceber as cores utilizadas, a maneira de representação (grande / pequeno), como índices da forma que compreendem ou querem mesmo representar esses elementos na sua própria construção histórica.
Deve-se aqui atentar pra um conceito de lugar e de espaço, a fim de entendermos como se constrói essa idéia junto às comunidades Guarani e desde então se pensar como isso é representado entre os indivíduos dessas comunidades.
Seguindo o raciocínio de Yi-Fu Tuan (1980: 83)
A familiaridade com o espaço é que o caracteriza como lugar e na sua elaboração conceitual, a experiência e o contato topofílico proporcionam novas abstrações espaciais que poderão ser transformadas e comunicadas através de simbologias, palavras e imagens, montando capacidades geográficas configuradas em conhecimento espacial.
Sendo que o autor entende como topofilia um estudo da percepção, atitudes e valores que as pessoas têm de seu meio ambiente. Os Guarani fazem uso desse meio em que vivem e classificam-no de acordo com sua percepção de mundo. E isso é que é interessante nesses mapas... a forma como os Guarani estão construindo essa percepção atualmente, no contexto da sua territorialidade.
Outra maneira de perceber o lugar como um elemento presente na construção de uma memória local é apontada por Mariana Cabral (2005: 64), como:
... uma das formas de olhar para o registro arqueológico não como algo dado, mas como uma interpretação construída no presente. O que está por trás desta perspectiva, então, é a idéia de considerar o espaço arqueológico como uma paisagem formada por uma rede de conexões, onde espaços naturais e espaços culturais se interpenetram.
E aqui, a autora chama a atenção mais para o como o pesquisador está trabalhando com seus documentos e não a forma como o ‘outro’ o entende.
Dessa forma, é de se pensar como eu estou construindo meu discurso sobre a territorialidade Guarani, baseando-me em seus próprios discursos e representações do real. Eu também estou fazendo os meus recortes desse ‘real’. No entanto, se eu conseguir olhar estes meus documentos não como ‘coisas dadas’ e prontas, mas como interpretações construídas no presente e com objetivos políticos e culturais, no sentido de afirmativos, posso compreender esses discursos como característicos de um momento vivido por esse povo e assim perceber as redes de conexões que estão imbricadas nessas representações do espaço Guarani.
E, ainda, segundo Edward Soja (1993: 101-102):
O espaço socialmente produzido é uma estrutura criada, comparável a outras construções sociais resultantes da transformação de determinadas condições inerentes ao estar vivo, exatamente da mesma maneira que a história humana representa uma transformação social do tempo. Seguindo uma linha semelhante, Lefebvre estabelece uma distinção entre a Natureza como um contexto ingenuamente dado e aquilo que se pode denominar de ‘segunda natureza’, a espacialidade transformada e socialmente concretizada que emerge da aplicação do trabalho humano deliberado. É essa segunda natureza que se transforma no sujeito e no objeto geográficos da análise histórica materialista, de uma interpretação materialista da espacialidade.

Essa idéia de construção da natureza e do espaço é bastante importante nas avaliações desses lugares de memória indígena, já que aqui se sabe que a dicotomia natureza / cultura é muito tênue, quase inexistente. Então, como verificamos, há também os elementos agregados que estão misturados nessa rede de conexões, onde a imagem produzida, tem muito da estrutura política dos órgãos públicos, o que não invalida de forma alguma esta construção, já que a memória social é construída no presente e tem um valor externo, ou melhor, voltada para o externo, bem como aquele valor interno, de reprodução familiar.
Esses mapas divergem daqueles desenhos sobre território que os Guarani fazem utilizando as lendas e os mitos como fundo. Aqui eles representam esse território, de forma direta, conforme a geografia ocidental também faz.... Mas há o elemento identidade aí.. e como naqueles mapas antigos, de viajantes, trazem coisas imaginadas e sonhadas na forma de representação do real.
Este tipo de documento tem de ser pensado através das coisas e lugares que representa como imagens, nos desenhos, mas também como uma coisa feita pelos Guarani. O próprio mapa é um objeto produzido que representa cultura... É cultura material também. E aí essa relação entre algo construído pra representar algo, é também representativo de algo maior, um outro tipo de suporte que vai levar as mensagens entre as pessoas, e que sai da lógica da oralidade, mas não deixa de ser comunicativo. A questão é como essa comunicação esta se dando? Isto é outro elemento bastante interessante no trânsito desses mapas e desenhos sobre o papel.

BIBLIOGRAFIA:
CABRAL, Mariana. Sobre pessoas, coisas e lugares: uma prática interpretativa na arqueologia de caçadores – coletores do sul do Brasil. Porto Alegre: PPGH / PUCRS, dissertação de mestrado, 2005.
DUBOIS, P. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1994.
PANOFSKY, Erwin. Iconografia e iconologia: uma introdução ao estudo da arte da Renascença. In: Significado nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 1991.
SOJA. E. Geografias Pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social crítica. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.
TUAN, Yi-fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São Paulo: Difel, 1980.

sábado, 8 de agosto de 2009

Reflexões sobre os espelhos das almas....



Imagens... imagens... imagens..


Refletem toda hora uma nova dimensão do ser. Cada recorte de tempo e espaço impresso numa fotografia, congelando um momento preciso e um rosto... um gesto... uma expressão... uma coisa.


As imagens são reflexos da alma. Mas de uma alma congelada...de uma escolha minha para buscar aquele momento em outros momentos em que aquilo que aconteceu não pode mais ser repetido.


Nas fotos de campo congelo meus momentos. Congelo os gestos e os rostos daqueles que busco entender...


Vejo agora momentos do passado na aldeia Guarani, onde pessoas e coisas que antes estavam lá... não mais estão...o tempo passou... o espaço mudou... as pessoas e coisas se transformaram apenas em imagens congeladas nas minhas fotografias.


É um brincar de estátua... eu congelei aqueles momentos para a perpetuação deles. Poder repeti-los agora... dois, três anos depois.


Mas, e então? Como pensar nas imagens obtidas em campo?


São documentos... sem dúvida. Mas são escolhas. Eu, pesquisadora, escolhi o ângulo e a forma em que essas imagens seriam apresentadas ao mundo.


Quem são essas pessoas que apresento na imagem da foto? Que são essas ações mostradas...esses lugares... esses objetos?


São apresentações do real? Ou apenas recortes detalhadamente preparados por mim para apresentar minhas intenções ao mundo dos não-Guarani?


Analiso cada foto... cada momento... e me recordo das coisas ditas e não ditas... do que se passou logo após a foto... do que não foi enquadrado na foto. Aquilo que ficou fora do foco... aquilo que ficou fora da minha escolha.


Apresentar uma foto como documento de 'verdades' sobre algo, implica em muito, apresentar o fotografo... e suas intenções ao registrar aquele momento.... de outra forma, a fotografia perde seu significado. Ela não é 'verdade' por si mesma... ela apenas reflete - como num espelho - uma imagem invertida. Mas a escolha diz o porque. É nela que poderemos entender a lógica da imagem... o autor da foto é que me dá a dimensão do documento, pois saberei, através dele, porque aquele momento foi congelado e não outro....


Uma imagem pode mentir... uma imagem pode distorcer... pois a fala não a acompanha... apenas as escolhas.


Então, como analisar as imagens fotográficas na etnografia? Poderia eu dizer que estes personagens apresentados na imagem da foto são os Guarani?


Não.


Estes são os Guarani de papel... aqueles que eu trasporto para um caderno de descrições.... para páginas brancas de um computador, e que depois ilustrarão os textos de um tese... de uma pesquisa dita científica... e que se transformarão em 'conhecimento' para a minha sociedade.


Os Guarani de verdade... ah... estes vão continuar lá, vivendo suas vidas e se transformando diariamente como qualquer ser humano...


Os Guarani de verdade nunca vão estar congelados nas minhas fotografias de campo...


Ainda bem.


sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Das sutilezas e alguns respingos de incertezas....


Voltamos aqui a tentar desvendar os misterios que povoam as coletividades ameríndias. Suas sutilezas e nossas incertezas.

Continuo ávida na leitura das formas como os Guarani constroem seu espaço no espaço territorial que ocupam... Que paisagens são essas? Que territórios são esses?

Quanto mais me aprofundo, mais percebo a complexidade desses conceitos, e a dificuldade de aplicá-los em grupos humanos tão diversos. São conceitos criados a partir da percepção da sociedade cristã-ocidental... e mais, são conceitos 'científicos', que dificilmente levam a sério questões ligadas a cosmologia e a simbologia ameríndia... mais precisamente o mito.... os fetiches...(tantos outros conceitos criados pela sociedade científica e ocidental).

Que são esses mitos? Como explicam o mundo para essas coletividades humanas?

Será que podemos entendê-los usando nossos métodos científicos?

Talvez sim.... em parte... Talvez não.... em grande parte....

Compreendo que para entender os mitos - e consequentemente as categorias ameríndias para tornar o mito conhecimento - preciso entender as filosofias de vida que perspassam a rede de relacionamentos que caracteriza os Guarani como um grupo étnico.

E não só isso: preciso compreender todas as identidades que se conluiam dentro desse grupo étnico.

Preciso aprender a pensar Guarani. Sonhar Guarani. Cantar Guarani.

Sinto que jamais compreenderei de todo essa complexa rede relacional...

Mas tenho que me abrir a pensar os mitos como conhecimento e história... não como 'fetiches'....

O mito é real... não tem nada de abstrato. Ele explica o mundo e as coisas do mundo, na leitura que essas pessoas e esse coletivo fazem do mundo. É aí que está a questão...

Como pensar como um Guarani?

Eu não nasci lá naquela aldeia... não aprendi minhas primeiras palavras a partir da maneira como se fala na casa de um Guarani... não aprendi como as coisas de um Guarani se relacionam com ele... não aprendi a dominar essa cultura... e a ser dominado por ela..

Mas eu posso me abrir a ela. Posso olhar de um jeito menos pronto e menos modelar pra ela ... posso ver além... além daquilo que está para ser visto.... além do material.

Quero ver através do material... perceber o que ele carrega no centro.... nas estruturas e nas redes práticas do dia a dia. Ver o material reagindo e agindo sobre o humano. Ele se cria a partir das visões de mundo e reage sobre as ações de quem o manipula...

Assim, não há materiais amorfos... inertes. Tudo tem vida, pois a vida cerca esse todo... essas paisagens são vivas por que humanas são... os desenhos nas cestas, construídas pelas mãos hábeis de mulheres e homens, tem vida, pois humanas são....

Cada objeto reaje a quem o manipula e o constrói. Ele é vivo, por que é criado por um ser vivo... e o mito o explica... e explica a vida.

Então... pensar Guarani depende do quanto eu vou conseguir reagir às coisas e as humanidades delas na minha trajetória rumo ao centro dessas coletividades.

Aguyjevete...

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Maldita gripe Suína!!!!


É... mais uma pereba estalando de nova pra botar o povario em pânico e vender remédio que nem água...

A maldita gripe suína tá metendo medo até em bicho de pelúcia.

Cidades sitiadas, escolas e faculdades fechadas... tudo aguardando a famigerada onda de peste passar.

Mas, será que este troço é tão perigoso assim? Será que mata do nada?

Não creio.

É só lembrar que já tivemos gripe das aves um tempo atrás... e se vendeu o mesmo remédio - que não tem genérico - a torto e a direito....

A gripe das aves saiu de moda e a aí vem a dos porcos...

As próximas vão ser dos cachorros, dos lobos, das doninhas... ou seja qual o bicho da vez....

Sei que a gripe é forte, deixa o camarada de cama... uma gripe de verdade... dessas que faz tempo que o povario não pega, pois o que costumamos ter nos invernos frios sulistas, são resfriados. Gripe mesmo... derruba o vivente e põe na cama. Muito parecido com os sintomas da tal gripe suína.

Tudo bem que esta aí pode levar o cristão pra cova.... mas a outra também... é só não cuidar...

Tem um monte de outras doenças que vêm matando há horas.... é só dar uns bordejos por algum posto do SUS pra ver as criancinhas com diarréia, problemas respiratórios graves... tipo asma e bronquite....

Isso tudo mata. Desnutrição também mata.... AIDS mata.. Sarampo e catapora, se não cuidar, mata. Meningite, mata. Cirrose hepática, também mata...

Muitas doenças matam... basta não dar a assistência correta, nem tomar os cuidados básicos no tratamento e evitar o contágio.

Mas, agora a pereba da vez tá em tudo que é jornal....

Tá na internet... tem e-mail correndo por aí pra explicar como prevenir a doença - o que acho legal.... tem que prevenir mesmo.

O que não acho legal é esse frenesi com a tal gripe. É um negócio que tá gerando pânico nas pessoas, e vendendo remédio e máscaras, etc, etc...

A gripe é perigosa sim... tanto quanto outras doenças que são transmissíveis pelas mesmas formas....

A dengue e o mosquitinho sacana, matam muitas pessoas por esse brasilzão afora.... A malária é um mal que não tem cura.. quem pegou vai levar a pereba pro resto da vida dentro do corpo. E volta e meia, vai ter tremedeira, febre alta, vômito e um estado crítico de saúde, que se não cuidar, morre.

E o mosquito que a transmite continua aí... livre, leve e solto.... e ninguém faz alarme por causa disto.

Agora a gripe porcina tá no auge da moda... Fashion total...

É possível que no próximo SPFW, algum estilista antenado nas últimas tendências até crie uma coleção de biquinis e moda praia inspirado na maldita gripe....

Viva los suínos!!!!

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

De coronéis e latifúndios....


Tô aqui a ouvir Raul Seixas e a pensar sobre como suas músicas ainda são tão atuais.... desde que ele falou que 'a solução era alugar o Brasil'... ainda vemos as mesmas moscas por sobre a mesma Merda... ditando as ordens do dia no Planalto.

O que dizer sobre o Estado do Maranhão - ou seria melhor e mais lógico chama-lo logo de Sarney's Farmer?

Lá, até os formigueiros pertencem a família Sarney... nem uma pedrinha na rua deixa de ter uma placa de propriedade da dita família.

Este 'ilustre' cidadão, José Sarney, ocupante de uma cadeira na Acadêmia Brasileira de Letras e Chefe do Senado... sem falar que como ex-presidente da República, aposentado com um gordo sálario.

Manda e desmanda - junto com toda a sua prole e agregados - nos destinos do povo maranhense. E não é muito diferente no Amapá - por onde foi eleito Senador.

Ele é um 'coronel'... nos moldes daquele apresentado pelas análises de Raimundo Faoro. Um poderoso dono do poder.... Um poder sustentado pela ignorâcia do povo e pelo paternalismo.

A política desses 'coronéis' - latifundiários, em sua maioria - é manter o povo sob sua 'proteção' e domínio... nada de deixar saber muito sobre nada... nada de politizar as massas e o proletariado... o negócio é dar pão e circo pro povo continuar calado e alheio as suas maracutáias....

Um bom incentivo pra cantores locais gravarem um CD de tecno-brega ou forró.... ou quem sabe a construção de uma orla 'pra gringo ver'... onde o povo mesmo está excluído, pois os estabelecimentos comerciais e hotelaria em geral pertencem a multinacionais, ou a corporações ligadas a sua propria familia.

Nesses lugares o povo vai sim... para limpar mesas, o chão, ou atender nos balcões de informação... isso quando não está mais a margem ainda.... trabalhando informalmente nas praias, vendendo os CDs piratas de tecno-brega ou forró.....ou pior... se auto-vendendo em troca de uns trocados....

Mas, 'feliz'... sentindo-se parte daquela 'belezura' toda.....

Garotos sem perspectiva alguma de vida... e sem escolas, perambulam pelas terras dos 'coronéis', trabalhando como 'boias frias'.... menininhas rebolativas vendem seus corpos nas praias, recheadas de estrangeiros que vem ao Brasil buscar aventuras sexuais e liberalidade....

Mas, os 'coronéis' estão seguros... continuam enchendo os cofres de suas familias de verdes notas, ganhas com o suor dos outros.... Continuam a ocupar os cargos públicos e a fazer suas negociatas.... continuam sendo eleitos e mantendo-se no poder pelos mesmos modos que sempre fizeram...

E o povo... esse mesmo que sempre foi explorado e expropriado de seus direitos - que na maioria das vezes são confundidos com favores - continuam votando nos mesmo carrascos.... e dançando um fórrozinho pra não perder o ritmo....

Esta terra ainda vai tornar-se um império colonial!!!!

domingo, 26 de julho de 2009

O Estado em que chegamos!!!!


É muito triste ver atitudes lamentáveis como esta da (des)Govenadora Yeda Crusius, que chama professores de torturadores, porque estes estão reinvindicando melhores condições de trabalho, já que o governo do Estado, representado por esta senhora, vem dilapidando o setor educacional, destruindo escolas, transformando salas de aula em depósitos de crianças, cortando verbas que deveriam ser destinadas a construção e manutenção de prédios escolares, merenda escolar, transporte, equipamentos, material didático e de escritório para que as escolas públicas - nas quais seus netos certamente nunca puseram os pés - pudessem funcionar e atender decentemente as crianças do Estado que ela governa, já que foi eleita com voto popular.

Infelizmente, esta senhora não tem um pingo de respeito pelo povo gaúcho... aliás... nunca teve. Infelizmente, a população gaúcha se deixou ludibriar por palavras falsas e vãs promessas de campanha... que embora fracas, convenceram o eleitorado - já tão cansado da política podre deste nosso país - de que esta senhora poderia e teria competência para governar o Estado do Rio Grande do Sul....

Este foi o engodo que está nos levando a falência... esta senhora não sabe administrar nem seus próprios impulsos emocionais, tendo chiliques, esbravejando e ofendendo a sua própria base eleitoral... isso sem falar no povo em geral, nas nossas crianças, nos idosos, nos despossuídos que necessitam da assistência do Estado, e que ela simplesmente ignora.

Esta senhora é uma incompetente em todos os sentidos....

E é arrogante. E é presunçosa. E é maligna...

Claro que ela sabe bem o que é um torturador. Sabe bem o que aconteceu nos anos 1960, 70 e 80 na política interna e externa de nosso país... Sabe quantos porões foram manchados do sangue de estudantes, professores, escritores, sindicalistas... tudo porque lutavam por democracia e justiça social...

Exatamente aquilo que ela combate....

Se ela chama os professores de torturadores por impedirem que seus netinhos saiam da 'pequena e modesta' casa em que ela mora - e que já gerou tamanha discussão sobre a forma como foi adquirida - é porque se sentiu lesada em seu direito de ir e vir, porque acredita que ela e os seus estão acima dos direitos dos outros.....

Esta senhora é uma vergonha... torna a cadeira do Governo do Estado - que já foi ocupada por pessoas mais dignas - uma vergonha....

Essa senhora é uma lástima... e um perigo... pois carrega em si todo o ranço e rancor dos tempos da ditadura.... todo o sangue derramado por aqueles que foram realmente torturados...

Reacionária... é isso que ela é... um ser vil e reacionário.

Uma representante dos mais podres poderes....

Se retratar diante da sociedade gaúcha é o mínimo que ela poderia fazer... mas, como não acredito em milagres, não estou esperando que ela o faça. E se o fizer... creiam... não será de forma sincera.

Ela realmente acredita que está certa... ela está pouco se importando com os direitos da sociedade que a elegeu..

Por favor povo gaúcho.... sejamos mais seletivos e menos enganáveis... vamos parar de manter esta corja no poder...

Sorriso forjado e laquê no cabelo não governam Estado algum....

O que governa e respeita são ideias e atos.... vejamos em quem votamos... vejamos seu passado e a quem estão ligados...



Carta Aberta do Movimento pela Abertura dos Arquivos da Ditadura à Yeda Crusius


Exma. Sra. Governadora do Estado do Rio Grande do Sul,


Yeda Crusius


O Movimento Pela Abertura dos Arquivos da Ditadura toma a iniciativa de escrever-lhe esta carta, em referência ao cartaz que a senhora escreveu ontem pela manhã, dia 16 de julho de 2009, e apresentou aos fotógrafos de órgãos de imprensa de todo o país. A sua declaração, de que aquelas pessoas que ali estavam não eram professores, mas "torturadores" , atinge não somente aqueles professores, que estão em seu pleno direito de reivindicar melhores salários e condições de trabalho, mas também todos os cidadãos brasileiros, vítimas diretas ou indiretas dos crimes cometidos por torturadores ao longo da história do Brasil. A utilização deste termo é uma prova da total falta de conhecimento histórico da senhora, e mais: um grande desrespeito à memória do país, que recentemente passou por um período de ditadura, não só militar, mas com contribuição de muitos civis, muitos hoje acusados de terem, esses sim, torturado pessoas. Com sua declaração, a senhora ignorou totalmente a carga histórica que o conceito de "torturador" carrega. A senhora já ouviu o depoimento de alguém que tenha sofrido, verdadeiramente, uma tortura? Estas pessoas merecem o nosso respeito, o que não observamos na sua atitude..

Isso corrobora para o que estamos chamando atenção há tempos: a utilização inadequeada de adjetivos, sem conhecer seu teor histórico, sem valor explicativo, e usado de forma pejorativa e impune. Isso acontece, também, com o conceito de "terrorista" , que é utilizado para a luta armada brasileira, mas nunca atribuído às ações do aparato repressivo do Estado - ainda não desmontado, julgado e condenado - e com grupos para-militares, como o CCC, sigla que ainda hoje circula na sociedade brasileira, e é lembrada como o grande grupo que combatia o comunismo, sem saber de fato o que aquele grupo fez no Brasil.
A sua atitude se assemelha à dos torturadores e repressores, na medida em que, assim como as balas, as palavras ferem, e vêm justamente do lugar que deveria tomar conta de todos os cidadãos, independente de posicionamento político: o Estado. A senhora comparou uma classe trabalhadora, que exercia um direito que fora suprimido por mais de 20 anos, àqueles responsáveis pela supressão do mesmo. Comparou-os a pessoas que cometeram crimes, e que estão por aí, impunes. Isto, senhora governadora, é considerado calúnia, segundo as leis do Estado que a senhora representa.
A senhora sentiu-se intimidada pela manifestação que impediu o direito de ir e vir de seus netos. A senhora sabe que durante os anos 1960, 1970 e 1980, vigoraram no Cone Sul ditaduras civil-militares que sequestraram, torturaram, desapareceram, mataram e apropriaram- se de crianças? Na Argentina, por exemplo, há mais de 500 crianças desaparecidas. Apenas 91 tiveram sua identidade restituída. A senhora sabe como isto foi feito? Através de lutas, confrontos, manifestações, como esta, que se realizava em frente a sua residência.
Seus netos, senhora governadora, provalvemente não saibam o estado em que se encontra a educação pública no Rio Grande do Sul, pois devem frequentar os melhores e mais caros colégios em Porto Alegre. Seus netos não devem fazer idéia do que seja passar trimestres, às vezes anos, sem uma disciplina, por falta de professor; ou estudarem em turmas com 50 alunos, por causa do enturmamento promovido pela senhora; ou enfrentarem as condições precárias em que se encontram muitas escolas; ou não possuírem uma boa educação por falta de recursos; ou encontrarem professores desmotivados pela miséria que é paga todos os meses. Estes sim, são torturados.

Senhora governadora, por todos esses motivos expostos nós, do Movimento Pela Abertura dos Arquivos da Ditadura, escrevemos esta carta com o objetivo de solicitar uma retratação pública da senhora, em frente às câmeras de televisão, para com todos os cidadãos brasileiros, que de uma forma ou de outra, sabem exatamente o que signifca o termo "torturado". Pedimos que a senhora tome essa atitude, em nome de todas as verdadeiras vítimas de crimes de tortura cometidos no Brasil, seja durante a ditadura civil-militar, seja ainda hoje em dia, pelo Estado.
Esta carta seguirá com cópia para órgãos de imprensa e endereços eletrônicos que quiserem publicá-la.

Assinado: MOVIMENTO PELA ABERTURA DOS ARQUIVOS DA DITADURA-RS
Porto Alegre, 17 de julho de 2009

domingo, 19 de julho de 2009

Quando este país vai tratar de sua memória histórica com descência?


A carta enviada ao Governo Federal pela Comissão de Direitos Humanos e demais entidades que buscam esclarecimento e justiça no que diz respeito ao paradeiro de homens e mulheres que, durante a Ditadura Militar que assolou nosso país durante as décadas de 60, 70 e 80, lutaram por liberdade, justiça social e democracia, e em vista disto foram banidos, assassinados, presos e torturados pelos mesmos órgãos de repressão Estatais que hoje estão a coordenar as buscas de seus restos mortais, não é só um apelo ao governo federal para que cumpra a Lei e permita que o GT que coordenará as pesquisas realizadas no Araguaia seja composto por equipes não militares e que trabalhem conjuntamente com os familiares dos desaparecidos, mas que este Governo tenha a descência de assumir que a justiça neste país só será feita no dia em que os arquivos desse famigerado período em que o Terror de Estado se implantou e destruiu vidas, sejam abertos.

Somente no dia em que pesquisas sérias, realizadas por pesquisadores competentes e comprometidos com uma pesquisa histórica, sejam realizadas nestes documentos, é que teremos nossa memória histórica preservada com dignidade.

Somente então estes familiares poderão reencontrar seus entes queridos e homenageá-los dignamente...

Somente então, pais e mães poderão honrar seus filhos pela bravura e coragem na luta pela liberdade, tendo seus restos mortais devolvidos ao seio familiar...

Somente então poderemos dizer NUNCA MAIS...

A atitude do Governo Federal ao encaminhar as pesquisas no Araguaia através de um GT composto e coordenado por militares é uma afronta a memória dos Guerrilheiros que lutaram e morreram buscando a democracia, exatamente por que militares usurpavam o Estado dos seus cidadãos.

Sabe-se que em países vizinhos, como a Argentina, que também sofreram as políticas de repressão de um Estado em guerra contra seus cidadãos, têm tido pesquisas arqueológicas na busca de documentos materiais que vem trazendo novas provas e evidências sobre as ações de tortura e violência que o Estado exerceu durante as Ditaduras e o regime militar. Esses materiais - além de trazer a luz os restos mortais de muitos desaparecidos e lhes devolver para suas familias - tem apontado para várias evidências que indicam as formas como esses aparatos agiam, como eram montados os esquemas de encarceramento, como se deram as torturas, não só físicas, mas psicológicas... e estes materiais tem sido transformados em objetos de memória histórica....

Centros de Memória e documentação vem sendo criados para abrigar esses vestígios do terror, para que estudos possam ser realizados e para que as futuras gerações não se esqueçam e possam impedir que no futuro coisas semelhantes tornem a acontecer....

A memória se torna falha quando se quer que ela desapareça....

Talvez este seja o maior perigo que corremos neste momento...e talvez seja esta mesma a intenção: apagar!

Enquanto militares exumam os corpos daqueles que lutaram no Araguaia... a memória deles e do nosso país está sendo apagada....

Não podemos nos calar...

Temos de exigir que este Governo, que hoje é eleito por voto popular, cumpra seu papel e retire os militares do Araguaia.

Queremos Justiça, queremos que os desaparecidos sejam encontrados e sua memória revivida e honrada...
Não que seu desaparecimento se torne irreversível!

sábado, 18 de julho de 2009

CARTA ABERTA: RESPOSTA AO GOVERNO FEDERAL




Nós, familiares e companheiros dos mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar, e entidades comprometidas com a luta pela Verdade e por Justiça, manifestamos nossa indignação e repúdio às atividades ora desenvolvidas pelo governo federal na região onde ocorreu a Guerrilha do Araguaia.
Assistimos, estarrecidos, a ida de uma caravana essencialmente militar, sem a presença dos familiares, sem a participação da Comissão Especial para Mortos e Desaparecidos, sem a presença da Secretaria Especial de Direitos Humanos. Acompanhamos também estarrecidos, as informações divulgadas pela imprensa de que o comandante da operação buscou afastar a presença dos jornalistas.
Há um mês, no Rio de Janeiro, já manifestamos pessoalmente nossa posição ao Exmo. Senhor Presidente da República, entregando-lhe uma nota de repúdio à Portaria nº 567/MD de 29/04/2009 que, se sobrepondo à Lei 9140/95, criou um grupo de trabalho com a finalidade de coordenar “as atividades necessárias para a localização, recolhimento e identificação dos corpos dos guerrilheiros e militares mortos no episódio conhecido como Guerrilha do Araguaia”.
Esperávamos - como esperamos já há mais de trinta anos - que medidas fossem tomadas pelo Exmo. Senhor Presidente para atender as nossas reivindicações. Esperávamos também que o representante do PCdoB, partido que conduziu a guerrilha, ouvisse nosso clamor.
Esperávamos não ser convidados como meros ‘observadores ativos’ das ‘ações de âmbito militar’ dentro de uma árdua luta que nós encabeçamos há tantos anos.
Pelo contrário, esperávamos do Governo Federal e do Exmo. Senhor Presidente da República respeito por nossa luta, por nossa dor, por nosso luto inacabado, por nossos corpos insepultos.
Destacamos, com veemência:
· que somente agora a ação ora orquestrada pelo Governo Federal responde à sentença judicial da ação interposta pelos familiares de desaparecidos da Guerrilha do Araguaia, já pronunciada há mais de seis anos e transitada e julgada em dezembro de 2007 e o faz de maneira inepta e inaceitável;
· que o Exército, que ora coordena as buscas, levou anos para reconhecer oficialmente a existência da Guerrilha do Araguaia e a participação de seus integrantes nos combates, sem nunca ter assumido as prisões, torturas, assassinatos e desaparecimentos.
· que o Exército e muitas das instituições vinculadas à União sempre afirmaram que a guerrilha não existiu e negam até hoje a existência de arquivos, sem ter a decência e qualquer sentimento de humanidade para apontar onde foram parar as informações de que dispunham as três forças em 1993, conforme atestaram Exército, Marinha e Aeronáutica em relatórios militares referentes aos nossos desaparecidos, encaminhados à Câmara Federal e ao então Ministro da Justiça, Maurício Correa.
É desesperador, depois de tantos anos, assistirmos passivamente o que ocorre, e ainda mais angustiante, saber que informações e pistas importantes acerca de nossos familiares podem estar sendo destruídas, já que na coordenação do grupo de trabalho está um general de brigada, que declarou ao “O Norte de Minas” sua defesa do golpe militar de 31 de março de 1964, data em que, segundo o general, “o exército brasileiro atendendo a um clamor popular foi às ruas contribuindo substancialmente e de maneira positiva, impedindo que o Brasil se tornasse um país comunista.”
Continuamos a defender que todas as iniciativas de localização, recolhimento e identificação dos corpos dos guerrilheiros mortos e desaparecidos sejam conduzidas pela Comissão Especial, constituída e em funcionamento sob o escopo da Lei nº 9.140 de 1995, cuja competência política, legal e ética é inquestionável.
Não aceitamos as declarações do Ministro da Defesa, que afirma que a CEMDP não poderia participar por ser parte, pois a mesma é constituída de familiar, representante das forças armadas, do Ministério Público Federal e do Ministério das Relações Exteriores, demonstrando com isto o legislador que as partes envolvidas deveriam ser representadas na dita comissão.
Estamos tratando da vida e da morte dos nossos familiares e companheiros, mortos na luta contra a ditadura militar. Exigimos a presença do Ministério Público, que garantirá, com total isenção, as investigações possíveis e necessárias.
Manifestamos nosso respeito e solidariedade à população do território em que se desenrolaram os combates e a repressão à Guerrilha do Araguaia, pois o caráter militar da expedição novamente os atemorizará e reabrirá feridas que até hoje não foram cicatrizadas.

Continuaremos nossa luta. Verdade e Justiça!

Em 9 de julho de 2009.

In memorian

Agrícola Maranhão do Vale
Alice Pereira Fortes
Alzira Grabois
Anita Lima Piahuy Dourado
Arnaldo Xavier Cardoso Rocha
Benigno Girão Barroso
Berel Reicher
Blima Reicher
Clélia Tejera Lisbôa
Consueto Ferreira Callado
Cristovam Sanches Massa
Cyrene Moroni Barroso
Davi Capistrano Filho
Dilma Alves
Edgar Corrêa
Edmundo Dias de Oliveira
Edwin Costa
Elza Joana dos Santos
Ermelinda Mazzafero Bronca
Eunice Santos Delgado
Euthália Rezende de Souza Nazareth
Fanny Akselrud de Seixas
Guilhermina Bezerra da Rocha
Helena Pereira dos Santos
IlmaLinck Haas
Iracema Merlino
Irene Guedes Corrêa
Izabel Gomes da Silva
James Wright
João Baptista Xavier Pereira
João Luiz de Moraes
Julieta Petit da Silva
Lais Maria Botelho Massa
Lulita Silveira e Silva
Majer Kucinski
Manoel Porfírio de Souza
Márcia Santa Cruz
Márcio Araújo
Maria de Lourdes Oliveira
Maria Madalena Cunha
Maria Mendes Freire
Odete Afonso Costa
Paulina da Silva
Rosalvo Cypriano Souza
Walter Pinto Ribas
Zuleika Angel Jones,


Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos
Comitê Catarinense Pró-memória dos Mortos e Desaparecidos
Grupo Tortura Nunca Mais - São Paulo
Grupo Tortura Nunca Mais – Rio de Janeiro
Instituto de Estudos sobre a Violência do Estado - IEVE
Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania
Movimento Tortura Nunca Mais - Pernambuco

Ana Maria Muller
Carmem Lúcia Lapoente Silveira
Cecília Maria Bouças Coimbra
Cesar Augusto Teles
Clélia de Mello
Clóvis Petit de Oliveira
Criméia Alice Schmidt de Almeida
Cristina Capistrano
Derlei Catarina De Luca
Dulce Maia
Edgardo Binstock
Edson Luiz de Almeida Teles
Elizabeth Silveira e Silva
Enzo Luis Nico Jr.
Gertrud Mayr
Helena Greco
Helenalda Resende de Souza Nazareth
Iara Xavier Pereira
Igor Grabois
Ivanilda da Silva Veloso
Janaína de Almeida Teles
Jane Quintanilha Nobre de Mello
Joana D’Arc Ferraz
João Carlos Schmidt de Almeida Grabois
Juliana Guimarães Lopes
Laura Petit da Silva
Lorena Moroni Girão Barroso
Lucia Vieira Caldas
Marcelo da Costa Nicolau
Maria Amélia de Almeida Teles
Maria Augusta Oliveira
Maria do Amparo Araújo
Maria Eliana de Castro Pinheiro
Maurício Grabois Silva
Nei Tejera Lisboa
Orlando Bonfim
Suzana Keniger Lisbôa
Togo Meirelles Netto
Valéria Couto
Victória Lavínia Grabois Olimpo
Zilda Paula Xavier Pereira

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Quem sabe a morte me procure.... angustia de quem vive: apontamentos sobre filosofias mortuárias ameríndias


Desta feita, estou a debruçar-me sobre uma série de elementos inquietantes a respeito da morte entre os Kaingang e os Guarani do Sul do Brasil. Lendo a tese do Sérgio Baptista da Silva, comecei a me perguntar até que ponto os Guarani não adotaram certas práticas Kaingang para tratar a morte dentro de sua rede social. Já que, ao que consta, pelas pesquisas arqueológicas realizadas, no passado os enterramentos secundários, em urnas funerárias, eram uma constante na sociedade Guarani. Hoje, mexer no corpo de um morto, depois de enterrado, é algo inconcebível para esse grupo.

Sérgio aponta para os elementos cosmológicos que estão envolvidos na construção do corpo, nas sociedades ameríndias. O corpo de um indivíduo é constituido socialmente... ele nunca nasce pronto. A sociedade em que ele vive é que dará 'corpo' ao seu corpo, e este então poderá se tornar pessoa. Os momentos de transição - como o nascimento, a puberdade, o casamento, etc...são elementos essenciais na construção deste corpo humano, e na construção da pessoa. A morte, também é um elemento vital e muito denso dentro dessa concepção de que um corpo é construído socialmente e substancialmente. Dentro dessa lógica, os alimentos ingeridos, os lugares visitados, os fumos, remédios, fluídos e tudo que envolve o corpo são altamente controlados, pois são esses elementos que o comporão e o tornarão material. Além de que esses indivíduos são coletivos, então, cada parte desse corpo se toca com partes de outros corpos sociais, e isso inclui marido / mulher, filhos / pais, irmãos / cunhados, etc....

Quando da morte de um Kaingang, o ritual a ser seguido inclui o isolamento do viúvo, ou da viúva, pois estes compartilharam durante a vida, das substâncias do falecido, e estão impregnados dessas substâncias - que são o sangue, o esperma, os fluídos corpóreos em geral.... - e desta forma, poderão atrair a alma do morto para a casa, trazendo um grande mal à família e à comunidade como um todo....

Além disso, como houve um compartilhamento desses fluídos, o / a viúvo / viúva, poderá começar a apodrecer junto com morto, se não for tratado com os remédios da mata, por um xamã.

Tudo isso envolve os corpos e as almas indígenas...que estão interligadas aos fatores mais profundos da natureza e da cultura - sem distinção de uma e de outra....

Beber o morto, colocar as marcas de sua parentela pintadas no corpo, marcar e isolar o viúvo / a viúva, orientar a alma desse ênte para a aldeia dos mortos... tudo isso envolve a sociedade, objetos, homens e mulheres, e a natureza...

As árvores que são marcadas - com a marca própria da metade social a que pertence o ênte que está sendo enterrado - durante o trajeto do corpo do falecido até o cemitério, se transformam em monumentos funerários, e são prescritas para descanso em casos diferentes de um enterro... são árvores ligadas a morte e a tudo que ela implica... todos os seus perigos estão marcados lá....

Bem, mas porque falei aqui que esse tratamento para conter a alma do falecido, própria dos grupos Jê, pode ter sido incorporada pelo grupos Tupi do Sul?

Fiquei com esta 'pulga atrás da orelha', pois como falei acima, as indicações arqueológicas que temos a respeito dos enterramentos Guarani, apontam para a prática de enterramentos secundários, onde a exumação dos corpos não seria um tabu. Hoje em dia, os atuais grupos Guarani alimentam um medo tremendo de qualquer tipo de alteração nos corpos das pessoas mortas. Exumar um corpo já enterrado é motivo de crise séria nas aldeias... fazendo com que haja inclusive seu abandono.

Nem mesmo a autópsia é permitida... não se corta um corpo depois de morto...

Essas práticas e esses receios pelo que a alma do falecido - diga-se aqui, que se trata do Mboguá, daquela alma animal que nasce com a pessoa Guarani, e que tem de ser domada em seu corpo durante seu crescimento como pessoa - poderá trazer de mal para a familia e para a comunidade, podem ter sido incorporadas ao longo do tempo e dos contatos e reconstruções étnicas, e adquirida dos grupos Jê... que têm esse precedente e atuam com práticas de controle sobre a morte e o corpo do morto, desde tempos antigos....

Claro, que os Guarani podem ter abandonado as práticas do enterramento secundário, também em função das relações e práticas adquiridas do contato com os Jesuitas....que por 150 anos ocuparam seu território e impuseram novas práticas sociais, que se associaram às práticas amerindias já existentes. Mas, o que poderia ter impedido que as práticas e simbologias Jê se misturassem a dos Guarani? Há grafismos nos desenhos corporais e cestos Kaingang que levam a marca Guarani, devidamente incorporadas e ressemantizadas na dualidade Jê.

Práticas filosóficas, crenças, curas e construções corpóreas são elementos transitáveis e mutáveis... estão dentro da lógica do 'mudar pra continuar sendo o mesmo' apontada por Sahlins....

Na dinâmica das culturas tudo é possível... todos os corpos construídos e em construção estão aí para manter o equilibrio e a harmonia do cosmo... e agregar ordem a desordem humana.

domingo, 12 de julho de 2009

Mais luzes sobre a obscuridade dos indivíduos coletivos


Ai, ai, ai..... cá estou novamente batendo sobre este tema....

Mas, ele tem sido minha cura e minha doença nos últimos meses....

Sei que é muito simples: somos um corpo, repleto de outros corpos...que se coadunam ou se repelem, de acordo com as formas que se manifestam...

Não... não é simples!

Mas, tento entende-los... tenho de entende-los.....

Estava lendo um texto da Paula Montero... sobre as percepções de doenças e curas na religião umbandista... ele me deu uma luz... diria até que divina...

Embora o texto seja antigo, e creio que a autora não pensava, na época, em enveredar pela antropologia simétrica, ela apresenta uma boa dose de exemplos sobre esses indivíduos coletivos, que embora sejam uma pessoa, trazem em si o cerne de várias entidades que a povoam e que se manifestam, muitas vezes criando ou atraindo 'doenças'. Os indivíduos chegam a buscar na medicina oficial alguma cura, mas se rendem ao fato de que sua 'doença' não é física, mas sim espiritual...e só um tratamento espiritual poderá colocar ordem na desordem.

Esta aí a questão... quando o indívíduo coletivo deixa que se instaure a desordem entre os seres que o povoam... este adoece, enfraquece.. pode chegar a morte... então necessita colocar seu corpo em ordem... e para isso necessita da ajuda e eficácia de um xamã, curandeiro, pastor, rezador... ou qualquer indivíduo que domine a ordem dos corpos...que domine o cerne dessa coletividade que reside no corpo. Assim se passa nas diferentes grupos humanos... nas diferentes religiões...cultos...

Essa necessidade de 'luz' que os indivíduos buscam no externo.. para organizar seu corpo interno.

Entre as diferentes sociedades ameríndias há diferentes formas de culto e práticas que servem a organização desse corpo coletivo...espiritos são muitos... corpo um só.... mas estes só existem em comunhão.... interna e externa...

As coisas são materiais... o corpo é material... por isso não adianta rezar sem manifestar materialmente a ordem. Seja através de fumaça, oriunda da queima de madeira sagrada... seja na cinzas da fogueira que aquece os corpos...seja na pedra que é retirada do corpo do paciente, quando o xamã materializa a doença... seja no lenço embebido em água santa... a água fluidificada pelo médium ingerida pelo corpo doente...

A cura é materializada através da ordem que retorna ao corpo coletivo..

Essa ordem é materializada através de objetos e coisas que conduzem a ordem...

Mas todas as coisas são antes de tudo pensadas pelos homens...e esse pensar materializa as coisas.

Será que as coisas constroem o homem ou o homem constrói as coisas? Ou vice - versa... numa dialética interminável de ações e reações entre homens e coisas...?

Entre os seres coletivos, densamente povoados... a ação concreta de objetos 'vivos', porque parte da coletividade humana, vão fazendo sua parte numa filosofia ampla... carregada de experiências vividas e não vividas... onde uma pedra pode transformar-se na doença e ser retirada do corpo, e este misteriosamente voltar a ordem... e curar-se.

Eis a luz... eis os indíviduos e suas coisas....