domingo, 26 de julho de 2009

O Estado em que chegamos!!!!


É muito triste ver atitudes lamentáveis como esta da (des)Govenadora Yeda Crusius, que chama professores de torturadores, porque estes estão reinvindicando melhores condições de trabalho, já que o governo do Estado, representado por esta senhora, vem dilapidando o setor educacional, destruindo escolas, transformando salas de aula em depósitos de crianças, cortando verbas que deveriam ser destinadas a construção e manutenção de prédios escolares, merenda escolar, transporte, equipamentos, material didático e de escritório para que as escolas públicas - nas quais seus netos certamente nunca puseram os pés - pudessem funcionar e atender decentemente as crianças do Estado que ela governa, já que foi eleita com voto popular.

Infelizmente, esta senhora não tem um pingo de respeito pelo povo gaúcho... aliás... nunca teve. Infelizmente, a população gaúcha se deixou ludibriar por palavras falsas e vãs promessas de campanha... que embora fracas, convenceram o eleitorado - já tão cansado da política podre deste nosso país - de que esta senhora poderia e teria competência para governar o Estado do Rio Grande do Sul....

Este foi o engodo que está nos levando a falência... esta senhora não sabe administrar nem seus próprios impulsos emocionais, tendo chiliques, esbravejando e ofendendo a sua própria base eleitoral... isso sem falar no povo em geral, nas nossas crianças, nos idosos, nos despossuídos que necessitam da assistência do Estado, e que ela simplesmente ignora.

Esta senhora é uma incompetente em todos os sentidos....

E é arrogante. E é presunçosa. E é maligna...

Claro que ela sabe bem o que é um torturador. Sabe bem o que aconteceu nos anos 1960, 70 e 80 na política interna e externa de nosso país... Sabe quantos porões foram manchados do sangue de estudantes, professores, escritores, sindicalistas... tudo porque lutavam por democracia e justiça social...

Exatamente aquilo que ela combate....

Se ela chama os professores de torturadores por impedirem que seus netinhos saiam da 'pequena e modesta' casa em que ela mora - e que já gerou tamanha discussão sobre a forma como foi adquirida - é porque se sentiu lesada em seu direito de ir e vir, porque acredita que ela e os seus estão acima dos direitos dos outros.....

Esta senhora é uma vergonha... torna a cadeira do Governo do Estado - que já foi ocupada por pessoas mais dignas - uma vergonha....

Essa senhora é uma lástima... e um perigo... pois carrega em si todo o ranço e rancor dos tempos da ditadura.... todo o sangue derramado por aqueles que foram realmente torturados...

Reacionária... é isso que ela é... um ser vil e reacionário.

Uma representante dos mais podres poderes....

Se retratar diante da sociedade gaúcha é o mínimo que ela poderia fazer... mas, como não acredito em milagres, não estou esperando que ela o faça. E se o fizer... creiam... não será de forma sincera.

Ela realmente acredita que está certa... ela está pouco se importando com os direitos da sociedade que a elegeu..

Por favor povo gaúcho.... sejamos mais seletivos e menos enganáveis... vamos parar de manter esta corja no poder...

Sorriso forjado e laquê no cabelo não governam Estado algum....

O que governa e respeita são ideias e atos.... vejamos em quem votamos... vejamos seu passado e a quem estão ligados...



Carta Aberta do Movimento pela Abertura dos Arquivos da Ditadura à Yeda Crusius


Exma. Sra. Governadora do Estado do Rio Grande do Sul,


Yeda Crusius


O Movimento Pela Abertura dos Arquivos da Ditadura toma a iniciativa de escrever-lhe esta carta, em referência ao cartaz que a senhora escreveu ontem pela manhã, dia 16 de julho de 2009, e apresentou aos fotógrafos de órgãos de imprensa de todo o país. A sua declaração, de que aquelas pessoas que ali estavam não eram professores, mas "torturadores" , atinge não somente aqueles professores, que estão em seu pleno direito de reivindicar melhores salários e condições de trabalho, mas também todos os cidadãos brasileiros, vítimas diretas ou indiretas dos crimes cometidos por torturadores ao longo da história do Brasil. A utilização deste termo é uma prova da total falta de conhecimento histórico da senhora, e mais: um grande desrespeito à memória do país, que recentemente passou por um período de ditadura, não só militar, mas com contribuição de muitos civis, muitos hoje acusados de terem, esses sim, torturado pessoas. Com sua declaração, a senhora ignorou totalmente a carga histórica que o conceito de "torturador" carrega. A senhora já ouviu o depoimento de alguém que tenha sofrido, verdadeiramente, uma tortura? Estas pessoas merecem o nosso respeito, o que não observamos na sua atitude..

Isso corrobora para o que estamos chamando atenção há tempos: a utilização inadequeada de adjetivos, sem conhecer seu teor histórico, sem valor explicativo, e usado de forma pejorativa e impune. Isso acontece, também, com o conceito de "terrorista" , que é utilizado para a luta armada brasileira, mas nunca atribuído às ações do aparato repressivo do Estado - ainda não desmontado, julgado e condenado - e com grupos para-militares, como o CCC, sigla que ainda hoje circula na sociedade brasileira, e é lembrada como o grande grupo que combatia o comunismo, sem saber de fato o que aquele grupo fez no Brasil.
A sua atitude se assemelha à dos torturadores e repressores, na medida em que, assim como as balas, as palavras ferem, e vêm justamente do lugar que deveria tomar conta de todos os cidadãos, independente de posicionamento político: o Estado. A senhora comparou uma classe trabalhadora, que exercia um direito que fora suprimido por mais de 20 anos, àqueles responsáveis pela supressão do mesmo. Comparou-os a pessoas que cometeram crimes, e que estão por aí, impunes. Isto, senhora governadora, é considerado calúnia, segundo as leis do Estado que a senhora representa.
A senhora sentiu-se intimidada pela manifestação que impediu o direito de ir e vir de seus netos. A senhora sabe que durante os anos 1960, 1970 e 1980, vigoraram no Cone Sul ditaduras civil-militares que sequestraram, torturaram, desapareceram, mataram e apropriaram- se de crianças? Na Argentina, por exemplo, há mais de 500 crianças desaparecidas. Apenas 91 tiveram sua identidade restituída. A senhora sabe como isto foi feito? Através de lutas, confrontos, manifestações, como esta, que se realizava em frente a sua residência.
Seus netos, senhora governadora, provalvemente não saibam o estado em que se encontra a educação pública no Rio Grande do Sul, pois devem frequentar os melhores e mais caros colégios em Porto Alegre. Seus netos não devem fazer idéia do que seja passar trimestres, às vezes anos, sem uma disciplina, por falta de professor; ou estudarem em turmas com 50 alunos, por causa do enturmamento promovido pela senhora; ou enfrentarem as condições precárias em que se encontram muitas escolas; ou não possuírem uma boa educação por falta de recursos; ou encontrarem professores desmotivados pela miséria que é paga todos os meses. Estes sim, são torturados.

Senhora governadora, por todos esses motivos expostos nós, do Movimento Pela Abertura dos Arquivos da Ditadura, escrevemos esta carta com o objetivo de solicitar uma retratação pública da senhora, em frente às câmeras de televisão, para com todos os cidadãos brasileiros, que de uma forma ou de outra, sabem exatamente o que signifca o termo "torturado". Pedimos que a senhora tome essa atitude, em nome de todas as verdadeiras vítimas de crimes de tortura cometidos no Brasil, seja durante a ditadura civil-militar, seja ainda hoje em dia, pelo Estado.
Esta carta seguirá com cópia para órgãos de imprensa e endereços eletrônicos que quiserem publicá-la.

Assinado: MOVIMENTO PELA ABERTURA DOS ARQUIVOS DA DITADURA-RS
Porto Alegre, 17 de julho de 2009

domingo, 19 de julho de 2009

Quando este país vai tratar de sua memória histórica com descência?


A carta enviada ao Governo Federal pela Comissão de Direitos Humanos e demais entidades que buscam esclarecimento e justiça no que diz respeito ao paradeiro de homens e mulheres que, durante a Ditadura Militar que assolou nosso país durante as décadas de 60, 70 e 80, lutaram por liberdade, justiça social e democracia, e em vista disto foram banidos, assassinados, presos e torturados pelos mesmos órgãos de repressão Estatais que hoje estão a coordenar as buscas de seus restos mortais, não é só um apelo ao governo federal para que cumpra a Lei e permita que o GT que coordenará as pesquisas realizadas no Araguaia seja composto por equipes não militares e que trabalhem conjuntamente com os familiares dos desaparecidos, mas que este Governo tenha a descência de assumir que a justiça neste país só será feita no dia em que os arquivos desse famigerado período em que o Terror de Estado se implantou e destruiu vidas, sejam abertos.

Somente no dia em que pesquisas sérias, realizadas por pesquisadores competentes e comprometidos com uma pesquisa histórica, sejam realizadas nestes documentos, é que teremos nossa memória histórica preservada com dignidade.

Somente então estes familiares poderão reencontrar seus entes queridos e homenageá-los dignamente...

Somente então, pais e mães poderão honrar seus filhos pela bravura e coragem na luta pela liberdade, tendo seus restos mortais devolvidos ao seio familiar...

Somente então poderemos dizer NUNCA MAIS...

A atitude do Governo Federal ao encaminhar as pesquisas no Araguaia através de um GT composto e coordenado por militares é uma afronta a memória dos Guerrilheiros que lutaram e morreram buscando a democracia, exatamente por que militares usurpavam o Estado dos seus cidadãos.

Sabe-se que em países vizinhos, como a Argentina, que também sofreram as políticas de repressão de um Estado em guerra contra seus cidadãos, têm tido pesquisas arqueológicas na busca de documentos materiais que vem trazendo novas provas e evidências sobre as ações de tortura e violência que o Estado exerceu durante as Ditaduras e o regime militar. Esses materiais - além de trazer a luz os restos mortais de muitos desaparecidos e lhes devolver para suas familias - tem apontado para várias evidências que indicam as formas como esses aparatos agiam, como eram montados os esquemas de encarceramento, como se deram as torturas, não só físicas, mas psicológicas... e estes materiais tem sido transformados em objetos de memória histórica....

Centros de Memória e documentação vem sendo criados para abrigar esses vestígios do terror, para que estudos possam ser realizados e para que as futuras gerações não se esqueçam e possam impedir que no futuro coisas semelhantes tornem a acontecer....

A memória se torna falha quando se quer que ela desapareça....

Talvez este seja o maior perigo que corremos neste momento...e talvez seja esta mesma a intenção: apagar!

Enquanto militares exumam os corpos daqueles que lutaram no Araguaia... a memória deles e do nosso país está sendo apagada....

Não podemos nos calar...

Temos de exigir que este Governo, que hoje é eleito por voto popular, cumpra seu papel e retire os militares do Araguaia.

Queremos Justiça, queremos que os desaparecidos sejam encontrados e sua memória revivida e honrada...
Não que seu desaparecimento se torne irreversível!

sábado, 18 de julho de 2009

CARTA ABERTA: RESPOSTA AO GOVERNO FEDERAL




Nós, familiares e companheiros dos mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar, e entidades comprometidas com a luta pela Verdade e por Justiça, manifestamos nossa indignação e repúdio às atividades ora desenvolvidas pelo governo federal na região onde ocorreu a Guerrilha do Araguaia.
Assistimos, estarrecidos, a ida de uma caravana essencialmente militar, sem a presença dos familiares, sem a participação da Comissão Especial para Mortos e Desaparecidos, sem a presença da Secretaria Especial de Direitos Humanos. Acompanhamos também estarrecidos, as informações divulgadas pela imprensa de que o comandante da operação buscou afastar a presença dos jornalistas.
Há um mês, no Rio de Janeiro, já manifestamos pessoalmente nossa posição ao Exmo. Senhor Presidente da República, entregando-lhe uma nota de repúdio à Portaria nº 567/MD de 29/04/2009 que, se sobrepondo à Lei 9140/95, criou um grupo de trabalho com a finalidade de coordenar “as atividades necessárias para a localização, recolhimento e identificação dos corpos dos guerrilheiros e militares mortos no episódio conhecido como Guerrilha do Araguaia”.
Esperávamos - como esperamos já há mais de trinta anos - que medidas fossem tomadas pelo Exmo. Senhor Presidente para atender as nossas reivindicações. Esperávamos também que o representante do PCdoB, partido que conduziu a guerrilha, ouvisse nosso clamor.
Esperávamos não ser convidados como meros ‘observadores ativos’ das ‘ações de âmbito militar’ dentro de uma árdua luta que nós encabeçamos há tantos anos.
Pelo contrário, esperávamos do Governo Federal e do Exmo. Senhor Presidente da República respeito por nossa luta, por nossa dor, por nosso luto inacabado, por nossos corpos insepultos.
Destacamos, com veemência:
· que somente agora a ação ora orquestrada pelo Governo Federal responde à sentença judicial da ação interposta pelos familiares de desaparecidos da Guerrilha do Araguaia, já pronunciada há mais de seis anos e transitada e julgada em dezembro de 2007 e o faz de maneira inepta e inaceitável;
· que o Exército, que ora coordena as buscas, levou anos para reconhecer oficialmente a existência da Guerrilha do Araguaia e a participação de seus integrantes nos combates, sem nunca ter assumido as prisões, torturas, assassinatos e desaparecimentos.
· que o Exército e muitas das instituições vinculadas à União sempre afirmaram que a guerrilha não existiu e negam até hoje a existência de arquivos, sem ter a decência e qualquer sentimento de humanidade para apontar onde foram parar as informações de que dispunham as três forças em 1993, conforme atestaram Exército, Marinha e Aeronáutica em relatórios militares referentes aos nossos desaparecidos, encaminhados à Câmara Federal e ao então Ministro da Justiça, Maurício Correa.
É desesperador, depois de tantos anos, assistirmos passivamente o que ocorre, e ainda mais angustiante, saber que informações e pistas importantes acerca de nossos familiares podem estar sendo destruídas, já que na coordenação do grupo de trabalho está um general de brigada, que declarou ao “O Norte de Minas” sua defesa do golpe militar de 31 de março de 1964, data em que, segundo o general, “o exército brasileiro atendendo a um clamor popular foi às ruas contribuindo substancialmente e de maneira positiva, impedindo que o Brasil se tornasse um país comunista.”
Continuamos a defender que todas as iniciativas de localização, recolhimento e identificação dos corpos dos guerrilheiros mortos e desaparecidos sejam conduzidas pela Comissão Especial, constituída e em funcionamento sob o escopo da Lei nº 9.140 de 1995, cuja competência política, legal e ética é inquestionável.
Não aceitamos as declarações do Ministro da Defesa, que afirma que a CEMDP não poderia participar por ser parte, pois a mesma é constituída de familiar, representante das forças armadas, do Ministério Público Federal e do Ministério das Relações Exteriores, demonstrando com isto o legislador que as partes envolvidas deveriam ser representadas na dita comissão.
Estamos tratando da vida e da morte dos nossos familiares e companheiros, mortos na luta contra a ditadura militar. Exigimos a presença do Ministério Público, que garantirá, com total isenção, as investigações possíveis e necessárias.
Manifestamos nosso respeito e solidariedade à população do território em que se desenrolaram os combates e a repressão à Guerrilha do Araguaia, pois o caráter militar da expedição novamente os atemorizará e reabrirá feridas que até hoje não foram cicatrizadas.

Continuaremos nossa luta. Verdade e Justiça!

Em 9 de julho de 2009.

In memorian

Agrícola Maranhão do Vale
Alice Pereira Fortes
Alzira Grabois
Anita Lima Piahuy Dourado
Arnaldo Xavier Cardoso Rocha
Benigno Girão Barroso
Berel Reicher
Blima Reicher
Clélia Tejera Lisbôa
Consueto Ferreira Callado
Cristovam Sanches Massa
Cyrene Moroni Barroso
Davi Capistrano Filho
Dilma Alves
Edgar Corrêa
Edmundo Dias de Oliveira
Edwin Costa
Elza Joana dos Santos
Ermelinda Mazzafero Bronca
Eunice Santos Delgado
Euthália Rezende de Souza Nazareth
Fanny Akselrud de Seixas
Guilhermina Bezerra da Rocha
Helena Pereira dos Santos
IlmaLinck Haas
Iracema Merlino
Irene Guedes Corrêa
Izabel Gomes da Silva
James Wright
João Baptista Xavier Pereira
João Luiz de Moraes
Julieta Petit da Silva
Lais Maria Botelho Massa
Lulita Silveira e Silva
Majer Kucinski
Manoel Porfírio de Souza
Márcia Santa Cruz
Márcio Araújo
Maria de Lourdes Oliveira
Maria Madalena Cunha
Maria Mendes Freire
Odete Afonso Costa
Paulina da Silva
Rosalvo Cypriano Souza
Walter Pinto Ribas
Zuleika Angel Jones,


Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos
Comitê Catarinense Pró-memória dos Mortos e Desaparecidos
Grupo Tortura Nunca Mais - São Paulo
Grupo Tortura Nunca Mais – Rio de Janeiro
Instituto de Estudos sobre a Violência do Estado - IEVE
Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania
Movimento Tortura Nunca Mais - Pernambuco

Ana Maria Muller
Carmem Lúcia Lapoente Silveira
Cecília Maria Bouças Coimbra
Cesar Augusto Teles
Clélia de Mello
Clóvis Petit de Oliveira
Criméia Alice Schmidt de Almeida
Cristina Capistrano
Derlei Catarina De Luca
Dulce Maia
Edgardo Binstock
Edson Luiz de Almeida Teles
Elizabeth Silveira e Silva
Enzo Luis Nico Jr.
Gertrud Mayr
Helena Greco
Helenalda Resende de Souza Nazareth
Iara Xavier Pereira
Igor Grabois
Ivanilda da Silva Veloso
Janaína de Almeida Teles
Jane Quintanilha Nobre de Mello
Joana D’Arc Ferraz
João Carlos Schmidt de Almeida Grabois
Juliana Guimarães Lopes
Laura Petit da Silva
Lorena Moroni Girão Barroso
Lucia Vieira Caldas
Marcelo da Costa Nicolau
Maria Amélia de Almeida Teles
Maria Augusta Oliveira
Maria do Amparo Araújo
Maria Eliana de Castro Pinheiro
Maurício Grabois Silva
Nei Tejera Lisboa
Orlando Bonfim
Suzana Keniger Lisbôa
Togo Meirelles Netto
Valéria Couto
Victória Lavínia Grabois Olimpo
Zilda Paula Xavier Pereira

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Quem sabe a morte me procure.... angustia de quem vive: apontamentos sobre filosofias mortuárias ameríndias


Desta feita, estou a debruçar-me sobre uma série de elementos inquietantes a respeito da morte entre os Kaingang e os Guarani do Sul do Brasil. Lendo a tese do Sérgio Baptista da Silva, comecei a me perguntar até que ponto os Guarani não adotaram certas práticas Kaingang para tratar a morte dentro de sua rede social. Já que, ao que consta, pelas pesquisas arqueológicas realizadas, no passado os enterramentos secundários, em urnas funerárias, eram uma constante na sociedade Guarani. Hoje, mexer no corpo de um morto, depois de enterrado, é algo inconcebível para esse grupo.

Sérgio aponta para os elementos cosmológicos que estão envolvidos na construção do corpo, nas sociedades ameríndias. O corpo de um indivíduo é constituido socialmente... ele nunca nasce pronto. A sociedade em que ele vive é que dará 'corpo' ao seu corpo, e este então poderá se tornar pessoa. Os momentos de transição - como o nascimento, a puberdade, o casamento, etc...são elementos essenciais na construção deste corpo humano, e na construção da pessoa. A morte, também é um elemento vital e muito denso dentro dessa concepção de que um corpo é construído socialmente e substancialmente. Dentro dessa lógica, os alimentos ingeridos, os lugares visitados, os fumos, remédios, fluídos e tudo que envolve o corpo são altamente controlados, pois são esses elementos que o comporão e o tornarão material. Além de que esses indivíduos são coletivos, então, cada parte desse corpo se toca com partes de outros corpos sociais, e isso inclui marido / mulher, filhos / pais, irmãos / cunhados, etc....

Quando da morte de um Kaingang, o ritual a ser seguido inclui o isolamento do viúvo, ou da viúva, pois estes compartilharam durante a vida, das substâncias do falecido, e estão impregnados dessas substâncias - que são o sangue, o esperma, os fluídos corpóreos em geral.... - e desta forma, poderão atrair a alma do morto para a casa, trazendo um grande mal à família e à comunidade como um todo....

Além disso, como houve um compartilhamento desses fluídos, o / a viúvo / viúva, poderá começar a apodrecer junto com morto, se não for tratado com os remédios da mata, por um xamã.

Tudo isso envolve os corpos e as almas indígenas...que estão interligadas aos fatores mais profundos da natureza e da cultura - sem distinção de uma e de outra....

Beber o morto, colocar as marcas de sua parentela pintadas no corpo, marcar e isolar o viúvo / a viúva, orientar a alma desse ênte para a aldeia dos mortos... tudo isso envolve a sociedade, objetos, homens e mulheres, e a natureza...

As árvores que são marcadas - com a marca própria da metade social a que pertence o ênte que está sendo enterrado - durante o trajeto do corpo do falecido até o cemitério, se transformam em monumentos funerários, e são prescritas para descanso em casos diferentes de um enterro... são árvores ligadas a morte e a tudo que ela implica... todos os seus perigos estão marcados lá....

Bem, mas porque falei aqui que esse tratamento para conter a alma do falecido, própria dos grupos Jê, pode ter sido incorporada pelo grupos Tupi do Sul?

Fiquei com esta 'pulga atrás da orelha', pois como falei acima, as indicações arqueológicas que temos a respeito dos enterramentos Guarani, apontam para a prática de enterramentos secundários, onde a exumação dos corpos não seria um tabu. Hoje em dia, os atuais grupos Guarani alimentam um medo tremendo de qualquer tipo de alteração nos corpos das pessoas mortas. Exumar um corpo já enterrado é motivo de crise séria nas aldeias... fazendo com que haja inclusive seu abandono.

Nem mesmo a autópsia é permitida... não se corta um corpo depois de morto...

Essas práticas e esses receios pelo que a alma do falecido - diga-se aqui, que se trata do Mboguá, daquela alma animal que nasce com a pessoa Guarani, e que tem de ser domada em seu corpo durante seu crescimento como pessoa - poderá trazer de mal para a familia e para a comunidade, podem ter sido incorporadas ao longo do tempo e dos contatos e reconstruções étnicas, e adquirida dos grupos Jê... que têm esse precedente e atuam com práticas de controle sobre a morte e o corpo do morto, desde tempos antigos....

Claro, que os Guarani podem ter abandonado as práticas do enterramento secundário, também em função das relações e práticas adquiridas do contato com os Jesuitas....que por 150 anos ocuparam seu território e impuseram novas práticas sociais, que se associaram às práticas amerindias já existentes. Mas, o que poderia ter impedido que as práticas e simbologias Jê se misturassem a dos Guarani? Há grafismos nos desenhos corporais e cestos Kaingang que levam a marca Guarani, devidamente incorporadas e ressemantizadas na dualidade Jê.

Práticas filosóficas, crenças, curas e construções corpóreas são elementos transitáveis e mutáveis... estão dentro da lógica do 'mudar pra continuar sendo o mesmo' apontada por Sahlins....

Na dinâmica das culturas tudo é possível... todos os corpos construídos e em construção estão aí para manter o equilibrio e a harmonia do cosmo... e agregar ordem a desordem humana.

domingo, 12 de julho de 2009

Mais luzes sobre a obscuridade dos indivíduos coletivos


Ai, ai, ai..... cá estou novamente batendo sobre este tema....

Mas, ele tem sido minha cura e minha doença nos últimos meses....

Sei que é muito simples: somos um corpo, repleto de outros corpos...que se coadunam ou se repelem, de acordo com as formas que se manifestam...

Não... não é simples!

Mas, tento entende-los... tenho de entende-los.....

Estava lendo um texto da Paula Montero... sobre as percepções de doenças e curas na religião umbandista... ele me deu uma luz... diria até que divina...

Embora o texto seja antigo, e creio que a autora não pensava, na época, em enveredar pela antropologia simétrica, ela apresenta uma boa dose de exemplos sobre esses indivíduos coletivos, que embora sejam uma pessoa, trazem em si o cerne de várias entidades que a povoam e que se manifestam, muitas vezes criando ou atraindo 'doenças'. Os indivíduos chegam a buscar na medicina oficial alguma cura, mas se rendem ao fato de que sua 'doença' não é física, mas sim espiritual...e só um tratamento espiritual poderá colocar ordem na desordem.

Esta aí a questão... quando o indívíduo coletivo deixa que se instaure a desordem entre os seres que o povoam... este adoece, enfraquece.. pode chegar a morte... então necessita colocar seu corpo em ordem... e para isso necessita da ajuda e eficácia de um xamã, curandeiro, pastor, rezador... ou qualquer indivíduo que domine a ordem dos corpos...que domine o cerne dessa coletividade que reside no corpo. Assim se passa nas diferentes grupos humanos... nas diferentes religiões...cultos...

Essa necessidade de 'luz' que os indivíduos buscam no externo.. para organizar seu corpo interno.

Entre as diferentes sociedades ameríndias há diferentes formas de culto e práticas que servem a organização desse corpo coletivo...espiritos são muitos... corpo um só.... mas estes só existem em comunhão.... interna e externa...

As coisas são materiais... o corpo é material... por isso não adianta rezar sem manifestar materialmente a ordem. Seja através de fumaça, oriunda da queima de madeira sagrada... seja na cinzas da fogueira que aquece os corpos...seja na pedra que é retirada do corpo do paciente, quando o xamã materializa a doença... seja no lenço embebido em água santa... a água fluidificada pelo médium ingerida pelo corpo doente...

A cura é materializada através da ordem que retorna ao corpo coletivo..

Essa ordem é materializada através de objetos e coisas que conduzem a ordem...

Mas todas as coisas são antes de tudo pensadas pelos homens...e esse pensar materializa as coisas.

Será que as coisas constroem o homem ou o homem constrói as coisas? Ou vice - versa... numa dialética interminável de ações e reações entre homens e coisas...?

Entre os seres coletivos, densamente povoados... a ação concreta de objetos 'vivos', porque parte da coletividade humana, vão fazendo sua parte numa filosofia ampla... carregada de experiências vividas e não vividas... onde uma pedra pode transformar-se na doença e ser retirada do corpo, e este misteriosamente voltar a ordem... e curar-se.

Eis a luz... eis os indíviduos e suas coisas....

Dialogando com as memórias....


Neste texto postado abaixo, o autor nos chama a atenção para a construção de uma memória coletiva, na cidade de Maurília. Memória esta que busca num passado, mitificado pela própria comunidade, as belezas de uma cidade provinciana, que tinha encantos na simplicidade de uma vida que se extinguiu há muito na região.

O romantismo dos cartões postais, das imagens impressas e amareladas de um passado bom, onde havia hospitalidade, inocência, fartura....

Passado este que só fica na memória do presente, que só é inteligivel nesta memória do presente.

Provavelmente aquelas imagens que hoje se apresentam amareladas no papel do cartão, eram na época em que foram feitas, os lugares eleitos como passíveis de serem lembrados no futuro... passíveis de serem perpetuados...

Porque, nem tudo... nem toda a Maurília antiga, pode ser transcrita para o futuro...

Os problemas socias do passado, lá ficaram... só vieram para a memória póstuma aquilo que se considerou belo.

Assim, também esse passado mítico, elaborado, nostálgico, mostra apenas uma via de ação da velha cidade... do lugarejo com galinhas e coreto... com belas mocinhas que passeiam com suas sombrinhas brancas.

Onde está a verdadeira Maurília? Provavelmente na memória de velhos... em outras fotografias... em documentos que salientam a desenvoltura das ações de órgãos públicos... das vendas de terras, dos processos -crimes...

Podem existir tantas Maurílias!!!

A memória coletiva é assim... geralmente busca-se um eldorado num passado nostálgico... principalmente se este passado for oficialmente oferecido aos turistas de hoje, a grupos de frequentadores de museus e casas de cultura. Estes lugares querem mostrar uma cidade bela... querem mostrar belezas que não estão mais ao alcance na cidade moderna...

Mas, preocupam-se com as outras Maurílias? Deixam ver elementos que não foram eleitos para serem congelados num cartão postal?

Geralmente não!

Os elementos que compõem as amostras de museus de cidades são fracos, positivos, lineares... e não cogitam estabelecer uma crítica construtiva através de suas possibilidades de compreensão pelos visitantes. Estas 'verdades' vêm prontas. São modelos pré-estabelecidos por aqueles que querem apresentar 'uma' história...

Os cartões postais trazem muito mais que uma imagem bonita. Trazem escolhas... escolhas de classes sociais, escolhas de lugares a serem congelados na memória coletiva como importantes...mas antes de tudo: traduzem os poderes de uma época, num determinado lugar, pois são veículos de divulgação desse lugar...

Toda fotografia é uma escolha... de ângulo, de cores, de beleza.... um recorte do tempo... um recorte do espaço...

O congelamento de memórias que serão lembradas...

O resto... o não dito... o fora do foco... é pra ser esquecido.... (ou pelo menos essa é a intenção).

Assim se constroem memórias coletivas e 'verdades históricas inconstestáveis'!

quinta-feira, 9 de julho de 2009

As cidades e a memória


CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. São Paulo: Cia das Letras, 1991.


Em Maurília, o viajante é convidado a visitar a cidade ao mesmo tempo em que observa uns velhos cartões postais ilustrados que mostram como esta havia sido: a praça idêntica mas com uma galinha no lugar da estação de ônibus, o coreto no lugar do viaduto, duas moças com sombrinhas brancas no lugar da fábrica de explosivos. Para não decepcionar os habitantes, é necessário que o viajante louve a cidade dos cartões postais e prefira-a à atual, tomando cuidado, porém, em conter seu pesar em relação às mudanças nos limites de regras bem precisas: reconhecendo que a magnificência e a prosperidade da Maurília metrópole, se comparada com a velha Maurília provinciana, não restituem uma certa graça perdida, a qual, todavia, só agora pode ser apreciada através dos velhos cartões postais, enquanto antes, em presença da Maurília provinciana, não se via absolutamente nada de gracioso, e ver-se-ia ainda menos hoje em dia, se Maurília tivesse permanecido como antes, e que, de qualquer modo, a metrópole tem este atrativo adicional - que mediante o que se tornou pode-se recordar com saudades daquilo que foi.

Evitem dizer que algumas vezes cidades diferentes sucedem-se no mesmo solo e com o mesmo nome, nascem e morrem sem se conhecer, incomunicáveis entre si. Às vezes, os nomes dos habitantes permanecem iguais, e o sotaque das vozes, e até mesmo os traços dos rostos; mas os deuses que vivem com os nomes e nos solos foram embora sem avisar e em seus lugares acomodaram-se deuses estranhos. É inútil querer saber se estes são melhores do que os antigos, dado que não existe nenhuma relação entre eles, da mesma forma que os velhos cartões postais não representam a Maurília do passado mas uma outra cidade que por acaso também se chamava Maurília.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Embalando teorias nas diferenças das águas...


Aqui estou para falar na importância do mar e das águas salgadas na cosmologia Guarani.

Sim... essas águas que eles têm como um elemento vital e curativo dos males do mundo e dos corpos. Em verdade, esse povo vê o mundo ao seu redor como um corpo humano... onde as águas dos rios são suas veias, por onde corre o líquido vital: a água.

E o Mar é mais que isso... é mais que o sangue da terra...é remédio para todos os males. É o fluído onde se encontra a Terra sem Males.

Os Guarani se banham no mar, brincam nas ondas e adoram o salgado da água... mas a respeitam... sabem de sua força... e a temem. Mas, não um temor de medo... apenas de respeito e reverência.

Os Kaingang não gostam da água salgada. Tem medo dos espíritos que a povoam...e acham incômodo o sal...

Não costumam se banhar no mar. Preferem os rios. A água doce.

Uma vez conversando com um interlocutor Guarani perguntei se ele sabia por que os Kaingang não gostam do mar como eles gostam... e ele me disse: Eles não tem reza pra dominar o espírito das águas salgadas.. por isso tem medo. Nós temos reza... nós sabemos respeitar o espírito. Por isso ele nos deixa entrar nas águas salgadas, que foram feitas por Ñanderu para os Guarani.. não foram feitas pros Kaingang...eles são de outro lugar..não daqui.

Mais uma vez aqui, vejo a importância do domínio das categorias nativas para entender a lógica das coisas.

O mar para mim, é apenas mar... que aliás, me fascina muito...adoro praia, adoro ondas batendo nas pedras... mas, não tenho reza pra entrar nas águas salgadas...

Na cosmologia ameríndia, o domínio dos espíritos que regem a natureza das coisas é imprescindível para que tudo funcione em harmonia. Sem reza, o Kaingang tem receio de entrar nas águas salgadas.. é um domínio que não é seu...que não faz parte do seu panteão de conhecimentos...e talvez por fazer parte do panteão dos Guarani, este seja também respeitado e temido...

Os Guarani já me haviam falado várias vezes sobre os espíritos que povoam as plantas, os animais, os rios, tudo... Esses espíritos precisam ser domados pelos rezadores, senão criam desarmonia e causam mal aos humanos. Têm plantas que não podem ser domadas, e dessa forma, não podem ser trazidas para perto das aldeias, onde vivem crianças e mulheres...muitas vezes vistas como mais frágeis e propicias a serem 'atacadas' por doenças trazidas por estes espíritos da mata.

Muitas vezes, apenas certos rezadores tem domínio sobre certas plantas e animais da mata... assim como das águas, nas nascentes de rios... no mar / oceano.

Esses 'lugares' construídos pelos povos tem sua própria dinâmica... é alí que os conceitos sobre as coisas do mundo vivido se dão na prática. Respeitar os 'espaços', os domínios seus e dos outros, faz com que esse mundo vivido se torne material. Pois é aí que as filosofias aceitas e compartilhadas pelo grupo se relacionam com as coisas partilhadas. Sejam essas 'coisas' uma praia, um cesto com desenhos gráficos, sejam pinturas no corpo que protegem dos espiritos, seja um canto, uma reza...

As vivências se materializam de várias formas e assim se tornam compreensíveis. A cultura assim, se torna material quando um homem para entrar no mar tem de dominar a reza do espírito que é dono do mar.

É assim que é... no balanço das culturas... as diferentes formas de ver o mundo... através de uma antropologia ameríndia.

sábado, 4 de julho de 2009

Os indivíduos coletivos: a cosmologia ameríndia


Em minhas leituras, minhas experiências vividas, meu estranhamento...lá está a simbologia, as filosofias ameríndias.

Coisas belas, as vezes estranhas... histórias densas... eis aí a narrativa densa de que me fala Geertz... tão densa que as vezes se torna turvo... dificultando a compreensão. Mas assim é que é. As explicações sobre o mundo e as coisas do mundo não são simples...

Se assim o fossem não teriamos por que nos preocupar em entendê-los... não haveriam diferentes formas de cultura e de vida humana... não haveriam religiões, estados, economia.. nada de humano haveria... os humanos criam e se recriam dentro de suas culturas e cosmologias... dentro de suas redes...

Vivemos em rede social, somos indivíduos coletivos... sempre... mas nossa sociedade - a ocidental - tenta dividir o indivísivel... as sociedades ameríndias não... elas são o coletivo e só se compreendem dessa forma. Um homem é várias coisas, tem vários espíritos, suas relações com seus pares, é um coletivo de seres aglomerados num corpo, que se divide em várias partes que só são humanas quando juntas.

Falar assim parece uma viagem... mas é assim que é...

Uma pessoa só se torna uma pessoa quanto todas as partes que compõem a personificação de seu ser na sua sociedade o compõem...

Mas, o que é isso? Como se dá isso?

Quando uma criança Guarani nasce, ela traz em si uma alma, divina... que vem de um seu antepassado. Ela é então um 'avô'.. um 'antigo' que retorna... a infância não está desvinculada da madureza. O respeito pela criança é o mesmo respeito ao ancião... ela é ele, em espírito, que retorna ao convívio.

Mas, não só, ele volta acompanhado de outros seres... de uma alma animal, que vem da mata, da natureza... e que fará dessa criança alguém diferente do ancestral que o encarna... essa alma é terrena, mas também ocupa o corpo desse pequeno ser...mora nele e lhe dá as características físicas e personalidade... essa alma tem de ser domada pelos pais da criança, e pelos rezadores da comunidade...

Mas, não acaba aí esse ser coletivo... outros espíritos povoam esse corpinho... espíritos bons e maus, que podem ficar ou devem ser mandados embora....todos esses seres ligam essa criança ao cosmo... a natureza, aos rios e matas...

Os pais se protegem e protegem a criança cuidando sua alimentação, seu comportamento diante da comunidade... pois seus atos podem desencadear desequilibrios entre os espíritos que povoam seus corpos... e isso faz mal à criança...traz 'doenças'.

Esses seres, todos coletivos, tem de encontrar a harmonia para viver. Uma harmonia com o externo e com o interno...o homem ameríndio nunca é sozinho... ele é um misto com seu próprio ser densamente povoado, e com as coisas que o rodeiam, a natureza viva, onde a humanidade também se manifesta.... tudo tem alma, tudo tem espírito...tudo é coletivo e humano... mesmo que essa humanidade se transfigure na selvageria... uma onça também tem familia, aldeia, roça, cunhado...só que vive no mundo das onças e não no mundo dos homens... só que esses mundos se tocam... e as vezes os homens virão onças e onças viram homens.

É tênue a névoa que separa os mundos...

É densa a composição das filosofias...

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Invariáveis derrotas... memoráveis avanços....

clamar
Bem, bem... diante das pespectivas reais.. meu time não vai pra final da libertadores... acabou-se... era uma vez...

Estamos sem ataque... e isso já era algo visto desde outros jogos... me resta agora beber um pouco de vinho.. lamentar... esquecer e voltar ao trabalho...

É, querido Grêmio... até a pé nos iremos...com o Grêmio onde o Grêmio estiver...mas valia dar essa vitória pra gente, né...

Enfim... nem só de derrotas vive o homem - ou a mulher no caso aqui - volto ao trabalho, pois desse busco a vitória. Mas, já que a felicidade da vitória do Grêmio se foi, me restam os alfarrábios... retomo minhas leituras... embora esteja bastante intrigada com o que estou lendo... uma revisão bilbiográfica dos sítios arqueológicos do sul do Brasil!!! Algo do tipo: vamos provar que há continuidade entre os atuais Jê do sul e os vestígios arqueológicos pesquisados até o momento. Bem, não que o trabalho não tenha lá suas razões de ser... Creio até que tenha muitas...é um bom trabalho...mas também há uma tentativa meio forçada de apresentar evidências para provar uma hipótese já concebida de antemão. É exatamente aí que fico intrigada... Se a hipótese tem de ser confirmada, haverá algo a dizer? Ou tudo já estava dito desde o princípio?

Na pesquisa, assim como no jogo de futebol os resultados só vêm no final... e dependem do desempenho do time - ou do pesquisador. Não dá pra saber o resultado antes da partida.. é impossível....ou não é pesquisa...

Busca-se o melhor resultado, mas este pode não vir a nosso favor... pode chegar por outro lado... e garantir a vitória do adversário...

Alguém vai sair feliz... a torcida do meu time ou a do outro...

O pesquisador e suas hipóteses confirmadas.. ou o nativo, os documentos, o objeto apontando pra outra coisa...

No caso do futebol... vou ficar muito triste... é a vitória perdida... o campeonato não ganho.. a taça que não fará parte do acervo...

Mas, no caso da pesquisa não... aqui há um ganho... muito maior se minhas hipóteses não são confirmadas... não perco nada...ganho!!! Novas perspectivas... novos objetos...novos olhares sobre ele... coisas que não estavam ao alcance da minha mão e agora estão.

Bem... pode não ser tão simples abrir mão das certezas e olhar para as incertezas... pode dar medo.... e sim... tenho pavor quando me deparo com essas incertezas.. mas é um pavor instigante... de avançar sobre o desconhecido... de entrar no campo do adversário vestindo a camisa dele...

Dá medo!!

Mas, é o que quero... entrar no outro campo... não apenas apenas responder minha hipótese com um sim... mas com um 'será'? Ou com 'não'... é outra coisa... eu estava errada...

Mas, como é difícil esse exercício.... como é difícil ver o que não prevemos... como é difícil aceitar a vítoria do adversário e dela tirarmos um aprendizado mais profundo...

Vamos lá hipóteses... façam o melhor que tem a fazer... me desafiem!!!

Dos estranhamentos e continuidades: quando a etnografia desafia a arqueologia.


Buenas, eis que me tomo a pensar... Haveria uma continuidade cultural e de memória entre os atuais kaingang e Guarani do sul do Brasil e os antigos indígenas, moradores desta região, que deixaram seus rastros e pedaços de vida para que estudassemos hoje?

Eu creio que de alguma forma isso é possível sim. Os antepassados deles são os criadores dos vestígios que nós arqueólogos estudamos. Mas, qual a ligação que eles fazem desse passado com o seu presente?

Com certeza não é tão direta e nem igual àquela que nós fazemos. Por isso muitos arqueólogos ignoram as palavras indígenas sobre o passado, afirmando que estes só se aproveitam do que é dito sobre eles pra tirarem vantagens, e seguem procurando esse passado sozinhos.

Nosso jeito de contar a história e entende-la é diferente do jeito que eles entendem.. e se entendem dentro dessa história. Os caquinhos de cerâmica, as lasquinhas de pedra, as construções de antigas aldeias são vistos por eles de uma forma e por nós de outra.

Esses restos de vidas passadas não têm para essas populações indígenas atuais uma importância concreta dentro de suas concepções de memória, porém, são importantes materialmente, pra eles nos provarem a existência de sua antiguidade na região, e provarem que seus avós viveram e construiram um lugar para seus descendentes. Ou seja, são importantes para nós... é para nós que eles têm de catar os caquinhos do passado.

Na sua concepção, os grupos indígenas buscam na memória as histórias contadas pelos velhos, que trazem os lugares, os animais, as plantas... e até mesmo as técnicas de fabricação de muitos utensílios... muitas práticas de cultivo e de manejo do ambiente. É esse o verdadeiro passado a ser registrado... é essa a história que fica na memória e está sempre em atualização... incorporando a cada vez outros elementos a ela, sem com isso perder o cerne de sua concepção original...

Mas, então... como acreditar nessas histórias, que a etnologia traz e que pensamos em associar com os vestígios arqueológicos, já que os índios as reinventam a cada dia?

Bem, penso que não buscamos analogias diretas... pois se o fizermos incorreremos no erro de achar que as sociedades se congelam no tempo e no espaço.... e isso não acontece, com nenhuma delas... nem com a nossa...

Mas, que as falas, os indicadores apontados pelas histórias indígenas podem nos levar a um entendimento maior e melhorado das maneiras como essas populações constroem sua história no mundo e como esses objetos fazem - ou fizeram - parte dessas construções. Nunca saberemos ao certo como pensavam e agiam os povos do passado, mas o pensamento ameríndio tem uma lógica... e se essa lógica for compreendida, poderemos inferir que a maneira que os antigos moradores desses lugares que se transformaram em sitios arqueológicos, seguiam essa lógica... e assim poderemos entender melhor não só os caquinhos e lasquinhas, mas o espaço ocupado... as paisagens construídas... a vida em movimento...

A questão é: será que os arqueólogos, tão endurecidos pelas ciências duras, estão prontos para tentar entender os índios a partir da visão que os próprios tem de si? E mais... será que estão aptos a serem pesquisados por esses nativos e inseridos nas pesquisas como atores?

Sem uma resposta positva a estas questões, continuaremos contando caquinhos e lasquinhas... e dizendo que os índios de hoje mentem sobre o passado deles.