quinta-feira, 2 de julho de 2009

Dos estranhamentos e continuidades: quando a etnografia desafia a arqueologia.


Buenas, eis que me tomo a pensar... Haveria uma continuidade cultural e de memória entre os atuais kaingang e Guarani do sul do Brasil e os antigos indígenas, moradores desta região, que deixaram seus rastros e pedaços de vida para que estudassemos hoje?

Eu creio que de alguma forma isso é possível sim. Os antepassados deles são os criadores dos vestígios que nós arqueólogos estudamos. Mas, qual a ligação que eles fazem desse passado com o seu presente?

Com certeza não é tão direta e nem igual àquela que nós fazemos. Por isso muitos arqueólogos ignoram as palavras indígenas sobre o passado, afirmando que estes só se aproveitam do que é dito sobre eles pra tirarem vantagens, e seguem procurando esse passado sozinhos.

Nosso jeito de contar a história e entende-la é diferente do jeito que eles entendem.. e se entendem dentro dessa história. Os caquinhos de cerâmica, as lasquinhas de pedra, as construções de antigas aldeias são vistos por eles de uma forma e por nós de outra.

Esses restos de vidas passadas não têm para essas populações indígenas atuais uma importância concreta dentro de suas concepções de memória, porém, são importantes materialmente, pra eles nos provarem a existência de sua antiguidade na região, e provarem que seus avós viveram e construiram um lugar para seus descendentes. Ou seja, são importantes para nós... é para nós que eles têm de catar os caquinhos do passado.

Na sua concepção, os grupos indígenas buscam na memória as histórias contadas pelos velhos, que trazem os lugares, os animais, as plantas... e até mesmo as técnicas de fabricação de muitos utensílios... muitas práticas de cultivo e de manejo do ambiente. É esse o verdadeiro passado a ser registrado... é essa a história que fica na memória e está sempre em atualização... incorporando a cada vez outros elementos a ela, sem com isso perder o cerne de sua concepção original...

Mas, então... como acreditar nessas histórias, que a etnologia traz e que pensamos em associar com os vestígios arqueológicos, já que os índios as reinventam a cada dia?

Bem, penso que não buscamos analogias diretas... pois se o fizermos incorreremos no erro de achar que as sociedades se congelam no tempo e no espaço.... e isso não acontece, com nenhuma delas... nem com a nossa...

Mas, que as falas, os indicadores apontados pelas histórias indígenas podem nos levar a um entendimento maior e melhorado das maneiras como essas populações constroem sua história no mundo e como esses objetos fazem - ou fizeram - parte dessas construções. Nunca saberemos ao certo como pensavam e agiam os povos do passado, mas o pensamento ameríndio tem uma lógica... e se essa lógica for compreendida, poderemos inferir que a maneira que os antigos moradores desses lugares que se transformaram em sitios arqueológicos, seguiam essa lógica... e assim poderemos entender melhor não só os caquinhos e lasquinhas, mas o espaço ocupado... as paisagens construídas... a vida em movimento...

A questão é: será que os arqueólogos, tão endurecidos pelas ciências duras, estão prontos para tentar entender os índios a partir da visão que os próprios tem de si? E mais... será que estão aptos a serem pesquisados por esses nativos e inseridos nas pesquisas como atores?

Sem uma resposta positva a estas questões, continuaremos contando caquinhos e lasquinhas... e dizendo que os índios de hoje mentem sobre o passado deles.

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