terça-feira, 7 de julho de 2009

Embalando teorias nas diferenças das águas...


Aqui estou para falar na importância do mar e das águas salgadas na cosmologia Guarani.

Sim... essas águas que eles têm como um elemento vital e curativo dos males do mundo e dos corpos. Em verdade, esse povo vê o mundo ao seu redor como um corpo humano... onde as águas dos rios são suas veias, por onde corre o líquido vital: a água.

E o Mar é mais que isso... é mais que o sangue da terra...é remédio para todos os males. É o fluído onde se encontra a Terra sem Males.

Os Guarani se banham no mar, brincam nas ondas e adoram o salgado da água... mas a respeitam... sabem de sua força... e a temem. Mas, não um temor de medo... apenas de respeito e reverência.

Os Kaingang não gostam da água salgada. Tem medo dos espíritos que a povoam...e acham incômodo o sal...

Não costumam se banhar no mar. Preferem os rios. A água doce.

Uma vez conversando com um interlocutor Guarani perguntei se ele sabia por que os Kaingang não gostam do mar como eles gostam... e ele me disse: Eles não tem reza pra dominar o espírito das águas salgadas.. por isso tem medo. Nós temos reza... nós sabemos respeitar o espírito. Por isso ele nos deixa entrar nas águas salgadas, que foram feitas por Ñanderu para os Guarani.. não foram feitas pros Kaingang...eles são de outro lugar..não daqui.

Mais uma vez aqui, vejo a importância do domínio das categorias nativas para entender a lógica das coisas.

O mar para mim, é apenas mar... que aliás, me fascina muito...adoro praia, adoro ondas batendo nas pedras... mas, não tenho reza pra entrar nas águas salgadas...

Na cosmologia ameríndia, o domínio dos espíritos que regem a natureza das coisas é imprescindível para que tudo funcione em harmonia. Sem reza, o Kaingang tem receio de entrar nas águas salgadas.. é um domínio que não é seu...que não faz parte do seu panteão de conhecimentos...e talvez por fazer parte do panteão dos Guarani, este seja também respeitado e temido...

Os Guarani já me haviam falado várias vezes sobre os espíritos que povoam as plantas, os animais, os rios, tudo... Esses espíritos precisam ser domados pelos rezadores, senão criam desarmonia e causam mal aos humanos. Têm plantas que não podem ser domadas, e dessa forma, não podem ser trazidas para perto das aldeias, onde vivem crianças e mulheres...muitas vezes vistas como mais frágeis e propicias a serem 'atacadas' por doenças trazidas por estes espíritos da mata.

Muitas vezes, apenas certos rezadores tem domínio sobre certas plantas e animais da mata... assim como das águas, nas nascentes de rios... no mar / oceano.

Esses 'lugares' construídos pelos povos tem sua própria dinâmica... é alí que os conceitos sobre as coisas do mundo vivido se dão na prática. Respeitar os 'espaços', os domínios seus e dos outros, faz com que esse mundo vivido se torne material. Pois é aí que as filosofias aceitas e compartilhadas pelo grupo se relacionam com as coisas partilhadas. Sejam essas 'coisas' uma praia, um cesto com desenhos gráficos, sejam pinturas no corpo que protegem dos espiritos, seja um canto, uma reza...

As vivências se materializam de várias formas e assim se tornam compreensíveis. A cultura assim, se torna material quando um homem para entrar no mar tem de dominar a reza do espírito que é dono do mar.

É assim que é... no balanço das culturas... as diferentes formas de ver o mundo... através de uma antropologia ameríndia.

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