sexta-feira, 26 de junho de 2009

Arqueologia e povos indígenas: a construção de um diálogo sobre paisagem e manejo ambiental.


Quando falamos em sítios arqueológicos logo nos vêm a mente àqueles lugares cheios de cerâmicas quebradas, lascas de pedras, restos de fogueiras, etc.... Que estão lá sob um abrigo de rocha no meio de um mato, ou numa estrutura semisubterrânea na propriedade de algum morador da Serra, ou numa lavoura qualquer, onde um arado trouxe à tona vários objetos de ocupações antigas daquele lugar.
E lá vamos nós, arqueólogos, recolher, catalogar, limpar, guardar os caquinhos como se fossem um tesouro.
Mas, e o lugar onde estavam os objetos? Como recolher, lavar e guardar? Não há como e também, poucas vezes pensamos muito nisso, que esse lugar pode ter sido um objeto da cultura material de uma sociedade que hoje não está mais ali. E esse mesmo lugar, pode hoje ser parte da cultura material de outra sociedade – a lavoura do colono, por exemplo, a casa construída sob um antigo cemitério indígena....
Então as pessoas fabricam “lugares” como fabricam potes de cerâmica, ou facas de pedra, ou potes de plástico e enxadas? Sim, há uma finalidade social para a criação de uma roça e de uma lavoura, assim como a escolha do lugar onde se constituirá a casa e se fará um jardim.
São “objetos” humanos, nós construímos isso, uma paisagem passa a ser uma paisagem quando lhe designamos tal categoria, então esse lugar passa a ter significado para nós, humanos.
E isso se dá com todas as sociedades humanas, é o que chamamos patrimônio na linguagem ocidental e assim acrescentamos nomes, valores e designações sociais à natureza que passa a ser uma paisagem, um lugar...
O trabalho etnográfico junto aos Guarani tem se apresentado muito rico nesse sentido, já que a construção de “lugares”, de terra de mbyá – mbya retã – é recorrente entre nossos diálogos e pude perceber como a mão humana é freqüente na expansão de espécies de flora e fauna dentro da mata atlântica.
Os índios estão recuperando áreas, que se encontram esgotadas por causa do cultivo do eucalipto, com o replantio de nativas. E essas espécies são trazidas, muitas vezes, de longe para o território. Visitas de parentes, que vêm de outros estados e até de outros países, sempre são formas de que algumas espécies sejam remanejadas. As trocas de sementes de milho, mudas de fumo e outras espécies cultiváveis são recorrentes, mas há também a busca de espécies da flora nativa da mata atlântica, que são buscadas nos lugares onde se encontram pra repovoar os lugares de onde foram retiradas.
Essas práticas podem ser vistas como tradicionais entre esses povos, e nossa imaginação nos leva a pensar que no passado tais práticas também devam ter sido corriqueiras. Portanto os ecossistemas diversificados devem muito a ação antrópica, já que o homem faz parte da natureza, assim como os demais animais.
Essa necessidade de ter um lugar ideal, escolhido pelo grupo social, fica evidente quando se vai procurar entender a forma de deslocamentos exercidas pelos Guarani. Porque eles não ficam nas reservas estipuladas pelo governo ou estão devidamente inseridos nas povoações das cidades ou nas povoações coloniais no interior, já que são agricultores? E quais os critérios que buscam para as demarcações de terras atualmente?
Há o que eles chamam “lugar para criar família”, que é uma terra cultivável, com mata e águas limpas. Por isso, quando conseguem um “lugar” vão logo transformando a paisagem em mbyá retã, plantando espécies que são importantes para eles e fazendo clareiras para roças com seus milhos coloridos.
É claro que os indígenas de hoje são modernos. Não podemos esperar que tenham se mantido intactos, iguais aos seus antepassados, mas a lógica da tekoá, do lugar pra roça, da beleza da mata para a saúde do Guarani, se mantém, mesmo que somente no imaginário social, e estes sempre tentam recuperar esse lugar ideal.
Claro que essa terra sonhada, nem sempre condiz com as áreas que ocupam, porque as terras que são designadas para índios atualmente são áreas íngremes, pedregosas, que não servem para o cultivo e necessitam recuperação ambiental, em muitos casos.
Há muitas situações em que encontramos vestígios arqueológicos nas proximidades das aldeias, mas estes não são os principais fatores da escolha atual do lugar, mas é claro que sua identificação nos faz pensar no que é e no que era a definição de ”lugar” ideal para as sociedades atuais e antigas.
E como lidar com essa noção de patrimônio indígena, já que a nossa muitas vezes diverge da deles, e aí temos um impasse, principalmente quando se trata de áreas de conservação ambiental.
Os Guarani associam a boa saúde da terra à sua própria saúde. A utilização de várias espécies vegetais como remédios e como ervas para os rituais religiosos é recorrente e necessita da mata, porque nem todas as espécies são cultiváveis perto da casa, por diferentes motivos: pode ser tabu ou porque realmente não se dão bem no ambiente do terreno aberto do pátio, ou junto das roças. Então o território de domínio envolve a mata e seu manejo é necessário e auto - sustentável, porque não há interesse dos índios na sua destruição, muito pelo contrario.

Nenhum comentário:

Postar um comentário