terça-feira, 27 de dezembro de 2011

A MEMÓRIA NA PONTA DA LÍNGUA

Texto de Fabiano Maisonnave, publicado na Folha de São Paulo (07/06/1998).
História da História Oral:
O uso de entrevistas como fonte histórica está longe de ser novidade. Heródoto, considerado o pai da história, já utilizava como fonte para seus escritos, na Grécia do 5° a. C. Mais recentemente, no século 19, Jules Michelet precisou de depoimentos para compor a sua 'História da Revolução Francesa'.
A história oral como é conhecida hoje começou a se desenvolver a partir da invenção do gravador, que facilitou a realização de entrevistas e possibilitou a criação de arquivos de fontes orais.
O primeiro centro de história oral foi fundado há 50 anos na Universidade Columbia, em Nova Yark. Hoje, o centro de Columbia é o maior do mundo, com 15 mil horas de entrevistas. Segundo Ronald Grele, diretor do centro, quase 2000 livros já foram escritos a partir da coleção de entrevistas.
No Brasil, apesar do crescimento, a história oral ainda tem pouca visibilidade, sobretudo por se tratar de um campo recente. Por aqui, pode-se dizer que a história oral teve três 'começos': dois na década de 70 e depois nos anos 90.
A primeira experiência dentro do país começou no CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação da História Contemporânea do Brasil), ligado à Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro. Em 1975, o CPDOC criou, em pleno regime militar, o seu programa de história oral, nos moldes da Universidade Columbia.
Atualmente, o CPDOC tem um acervo de cerca de 3000 horas gravadas, constituído sobretudo de depoimentos de personalidades da elite política e militar brasileira. Na mesma época, uma outra história oral brasileira surgia, mas do lado de fora: trata-se do trabalho de Pedro Cavalcanti e Jovelino Ramos, que, no exterior, entrevistaram exilados do regime militar.
A explosão da história oral só veio a ocorrer nos anos 90, quando pesquisadores que trabalhavam com fontes orais passaram a organizar encontros e trocar experiências, culminando na criação, em 94, da Associação Brasileira de História Oral (ABHO).
A partir desse momento, predominaram trabalhos que visassem grupos sociais cuja história dificilmente seria escrita a não ser por meio de fontes orais: analfabetos, favelados, garimpeiros, índios.
'A grande força da história oral é que ela pode recuperar segmentos da sociedade que de outra forma se perderiam', diz Antônio Torres Montenegro, professor de história da Universidade Federal de Pernambuco e presidente da ABHO. Para ele, a história oral está mudando a noção de que a história começa com a escrita.
Apesar de não haver nas universidades brasileiras linhas de pesquisa em história oral, vários centros têm sido criados - casos do NEHO (Núcleo de Estudos em História Oral), da USP, e do Centro de Memória, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A constituição de acervos de entrevistas também tem crescido. Em São Paulo, há arquivos desse tipo no Museu da Imagem e do Som, no Arquivo Histórico Judaico-Brasileiro e até na internet - no site Museu da Pessoa (www2.uol.com.br/mpessoa/).

Conceito gera confusão:
Pelo fato de ser ainda um campo recente, de ter se espalhado rapidamente e de agregar pessoas de diversas áreas - historiadores, sociólogos, educadores, linguistas - uma definição mais clara do que é historia oral ainda está longe de um consenso.
Mesmo Alessandro Portelli, maior referência sobre o assunto, tem dificuldades em dizer qual a melhor definição de história oral.
Para Meihy, autor de um manual de história oral, uma pesquisa nesses moldes passa pela existência de um projeto que comporte uma série de procedimentos metodológicos, envolvendo a edição da entrevista e uma conferência do texto final com o depoente.
É por isso, diz Meihy, que o livro 'O Presidente segundo o Sociólogo' que traz um entrevista com Fernando Henrique Cardoso, não pode ser considerado um livro de história oral. 'Ele se propõe apenas a ser um conjunto temático de reflexões que se organizam para mostrar um determinado posicionamento', diz Meihy.
Para o antropólogo Celso Castro, pesquisador do CPDOC e um dos entrevistadores do livro 'Ernesto Geisel', a história oral é apenas uma metodologia para a criação de uma nova fonte, que deve ser cruzada com outras fontes mais tradicionais.
Outra diferença, para o pesquisador, é que o entrevistado participa da elaboração do texto final, como aconteceu com Geisel, que revisou o depoimento duas vezes.
O que há de consenso na confusão teórica é que as fontes orais abriram possibilidades de estudar temas e grupos a partir de perspectivas diferentes. As entrevistas permitem, assim, que conhecimento histórico avance em espaços até então pouco ocupados.
Um dos casos mais interessantes é o de Mercedes Vilanova, da Universidade de Barcelona e presidente da Associação Internacional de História Oral. Ela pesquisou a participação eleitoral na Catalunha em 1934.
Até o seu estudo a historiografia afirmava que a derrota da coalizão de esquerda naquela região devia-se à abstenção dos anarquistas. A vitória ficou para a direita, cujo governo, que durou até 36, gerou um dos períodos mais difíceis da história espanhola, conhecido como 'biênio negro'.
Baseando-se em depoimentos, Vilanova revelou que houve outros motivos: a baixa participação dos analfabetos nas eleições e a coação de donos de fábrica para que os funcionários votassem.
'Quando, depois de anos trabalhando nos arquivos, decidi realizar o 'trabalho de campo', o mundo bibliográfico no qual até então estava me baseando virou papel morto', escreveu a oralista no livro 'Las Mayorías Invisibles', de 1996.
 

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Povos Indígenas do Rio Grande do Sul: mais um capítulo de desrespeito aos seus direitos.




A Constituição Federal do Brasil, no caput do Artigo 231, diz: "São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens". Essa norma define não apenas um conjunto de direitos indígenas, como também a responsabilidade direta e intransferível da União no que tange à garantia da terra. Assim sendo, as possibilidades de intervenção ou ingerência de governos estaduais e municipais em procedimentos de demarcação de terras ficam restritas. Essa norma estabelece os limites e possibilidades de intervenção ou ingerência de governos estaduais e municipais no que tange à demarcação de terr as e às políticas a serem desenv olvidas para povos e comunidades indígenas em âmbito nacional.
Além da União, os demais entes da federação podem colaborar, em articulação com o Governo Federal e cumprindo todas as normas legais, nas ações e serviços a serem executados nas áreas de saúde, educação, atividades produtivas dentro das terras indígenas. É vedado, no entanto, que estados e municípios interfiram nos procedimentos de demarcação através da imposição de critérios e/ou instrumentos que não estejam previstos nas normas administrativas definidas pela União, e esta, por sua vez, precisa se organizar, se estruturar e garantir orçamento para implementar tais normas.
O debate que vem sendo proposto no Estado do Rio Grande do Sul sobre a temática indígena e a demarcação de terras (dos indígenas e quilombolas) assume um viés ideológico e utilitarista extremamente perigoso: em nome de um modelo de desenvolvimento baseado na ampliação da produção, especialmente a agrícola, se pretende restringir os direitos territoriais das comunidades tradicionais, condicionando a demarcação a um pressuposto de produtividade presente e futura. Em outras palavras, querem atrelar os direitos originários sobre as terras a um modelo de produção que se concretiza através da exploração máxima dos recursos, desrespeitando-se, de uma só vez, dois preceitos constitucionais: o reconhecimento aos índios de sua organização social, costumes, línguas, crenças e tra dições, e os direitos origin ários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, e o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nas terras por eles ocupadas (caput e § 2º do Art. 231). É a tentativa de colocar as terras indígenas à disposição do mercado explorador e predatório.
Para dar respaldo a esta proposição, adquirem visibilidade certos discursos que vitimizam os pequenos agricultores com a alegação de que sofrerão prejuízos com a demarcação das terras. Argumenta-se que, no caso do Rio Grande do Sul, os agricultores compraram as terras e possuem os títulos de propriedade sobre as áreas reivindicadas pelos "índios e quilombolas". E, além disso, se acrescenta ao argumento da propriedade o fato de que os agricultores produzem nas terras a serem demarcadas o alimento que a população consome.
Três questões importantes devem ser colocadas em relação a esta linha de argumentação: a primeira é que os povos indígenas não estão sendo considerados no debate como sujeitos de direitos. Ao contrário, são tratados como o problema ou o obstáculo a ser removido; a segunda é que, ao estabelecer a polarização agricultores versus indígenas/quilombolas, cria-se um conflito entre os pequenos quando, de fato, há grandes interesses implicados. E a terceira questão é que, para o modelo econômico, os indígenas e quilombolas são tidos como improdutivos e, portanto, não cabe a eles o direito à terra.
É com essa intenção que a CNA (Confederação Nacional da Agricultura), uma espécie de ONG do latifúndio e do agronegócio, promove a discussão em torno da questão indígena no Brasil. Ela promove um grande lobby no Congresso Nacional visando mudar o Artigo 231 da Constituição Federal e utiliza sua influência política e econômica para pressionar os governos nas esferas municipais, estaduais e federal. Para a CNA a legislação que protege os direitos dos povos indígenas e quilombolas se constitui em instrumento limitador da lucratividade daqueles setores que ela, de fato, representa. E, por sua vez, os latifundiários e as empresas produtoras de soja, milho, cana-de-açúcar, arroz e eucalipto nutrem grande expectativa em torno das pretensas mudanças na legislação indigenista, quilombola e ambiental, a partir desta ofensiva política e ideológica da CNA.
Não se trata, neste debate, como afirmam prefeitos, deputados, senadores, secretários de Estado e as matérias escritas ou televisivas da mídia, de um conflito entre "pequenos proprietários rurais", indígenas e quilombolas, e sim um conflito entre modelos de produção diferentes um que prima pelos direitos das pessoas e pelo meio ambiente e outro que propõe a máxima produção e a maior lucratividade. Vale ressaltar que a maioria dos países desenvolvidos, que experimentam hoje o amargo sabor da crise, já estabeleceu medidas para conter o ímpeto produtivista e apelam para formas menos nocivas de produzir e de consumir.
O conflito estabelecido no Rio Grande do Sul não decorre da legislação propriamente, e sim dos interesses sobre as terras e as formas de entender sua função social. Há um forte investimento discursivo no sentido de culpabilizar os povos indígenas e quilombolas, quando a solução depende exclusivamente da vontade política e de uma eficaz ação do governo para, de um lado, demarcar e fazer respeitar as terras tradicionais destes povos e comunidades e, de outro, buscar soluções concretas e plausíveis para os problemas dos agricultores que foram assentados em terras indígenas. Cabe, neste debate, bom senso, disposição política e, mais do que isso, destinação de recursos financeiros para pagamento das indenizações dos afetados e o cumprimento da legislação estadual que determina que o Estado deve indenizar as famílias assent adas em áreas demarcadas ou em demarcação.
Lamentavelmente, no Rio Grande do Sul, este tema vem sendo matizado por pressões políticas da CNA e pelo impulso da mídia. O governo estadual entrou no jogo de interesses e, em virtude disto, classifica os direitos indígenas como problemas. Volta-se contra a Constituição ao invés de agir através dela. As reuniões promovidas para debater e questionar os direitos indígenas e quilombolas sem ouvi-los atenta contra princípios elementares de democracia e afronta a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).
Essa atitude de desconhecer ou ignorar as comunidades indígenas tem se constituído em prática corriqueira dos administradores do Estado. A realização da audiência pública promovida pela Comissão de Agricultura do Senado Federal, em 21 de outubro, na Assembleia Legislativa, foi uma das etapas dos "debates" com a exclusão das populações diretamente afetadas pelas propostas que se anunciam. Vale relembrar que neste evento reuniram-se centenas de agricultores e representantes do agronegócio e que os povos indígenas e comunidades quilombolas sequer foram convidados. Eles participaram por iniciativa própria e, ao se pronunciarem publicamente, foram veementemente vaiados.
No dia 27, seis dias depois, a Casa Civil do governo do Estado promoveu um encontro do Secretário de Desenvolvimento Rural, Ivar Pavan, e outros governistas para dialogar com agricultores e políticos do Rio Grande do Sul sobre as demarcações de terras. Mais uma vez, nenhuma liderança indígena foi convidada.
O fato mais revoltante, associado a esta última reunião, foi o anúncio de que o Governo Federal, através da Funai, e o governo do Estado firmaram um Termo de Cooperação com vistas a por fim aos problemas. Um dos itens deste termo é a suspensão de todas as demarcações de terras indígenas em processo no Estado. Ivar Pavan foi enfático ao dizer que não vão aceitar nenhuma demarcação de terra enquanto não forem atendidas as demandas dos agricultores. Informou ainda que o governador Tarso Genro exigiu do presidente da Funai a imediata paralisação de todas as demarcações de terras. Entende-se, assim, porque Tarso Genro, enquanto exerceu a função de ministro da Justiça, não demarcou nenhuma terra indígena no Rio Grande do Sul.

É importante salientar que essa proposta não passa de retórica, uma vez que não compete ao governo estadual requerer a suspensão de demarcações de terras, posto que, no item XIV do Artigo 22 da Constituição Federal se estabelece a competência privativa da União para legislar sobre as populações indígenas. Caso a Funai se submeta a pressões políticas estará agindo contra os interesses da União e poderá ser responsabilizada por não cumprir com as atribuições que lhe são imputadas e que definem, em grande medida, a sua função e a razão de sua existência.
Outro exemplo que reafirma a postura intransigente do governo com relação aos povos indígenas vincula-se à criação de um Grupo de Trabalho, no âmbito da Casa Civil do Estado, para "Avaliação e formulação de alternativas para as áreas indígenas e o aperfeiçoamento das políticas públicas destinadas às comunidades indígenas no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul", sem a necessária presença ao menos de um representante indígena.
Os resultados deste grupo de trabalho foram apresentados através de um relatório que visa, entre outras coisas, enaltecer a gestão do ex-governador Olívio Dutra que ocorreu há 10 anos. O relatório omite as ações dos dois governos subsequentes; anuncia que a partir do próximo ano serão resolvidas as questões através da liberação de verbas financeiras, especialmente para a indenização das famílias não indígenas que vivem sobre terras demarcadas, e que serão investidos recursos públicos para acabar com o déficit habitacional nas áreas indígenas.
Se o governo do Estado assim procedesse, estaria apenas cumprindo uma obrigação legal que é indenizar famílias de agricultores que foram assentadas indevidamente nas terras indígenas (por culpa do Estado) e auxiliando o Governo Federal a melhorar as habitações indígenas.
Mas não é o que de fato vem ocorrendo. O relatório apresentado pelo GT da Casa Civil expressa, na página 11, o seguinte:
"De outra banda, ainda que se trate de matéria diversa àquela que exclusivamente compete à Casa Civil, registramos de forma consensuada com todas as secretarias e integrantes da base do governo, a permanente necessidade de reformatação legislativa do CEPI, bem como opinamos pela imediata substituição de sua coordenação, a qual vem reiteradamente articulando as comunidades indígenas em desfavor da institucionalidade, além de empreender conduta denuncista junto ao MPE, MPF e FUNAI abdicando de, efetivamente, buscar construir de forma coletiva as soluções que se impõem àquela coletividade".
Sem nenhuma dúvida, este parágrafo visa cercear e impor limites à atuação do CEPI (Conselho Estadual dos Povos Indígenas). Este Conselho foi criado pelo governo do Estado e deveria se constituir num espaço de controle social a ser exercido pelas lideranças e representantes indígenas, e se constituir em fórum de discussão das políticas destinadas às populações indígenas, bem como para pensar e planejar as ações do Estado tendo em vista sua contribuição junto ao Governo Federal na execução das políticas públicas. Além disso, o CEPI deveria acompanhar e fiscalizar o Governo Federal no que se refere aos procedimentos de demarcação das terras, a sua proteção e fiscalização.
Alega-se no relatório da Casa Civil que o CEPI está empreendendo uma postura denuncista e faz um desfavor a institucionalidade. Lamentável que uma manifestação desta tenha origem em um grupo de trabalho constituído por servidores e assessores de um governo dito "democrático e popular". Lamentável que haja censura a um Conselho do Estado quando este cumpre com suas atribuições. É também lamentável que o relatório tenha sido acatado de forma imediata, sem nenhuma discussão ou debate com os demais conselheiros (17 indígenas Kaingang, 17 Guarani e um Charrua) quanto à substituição de sua coordenação. Vale ressaltar que a coordenação é composta por um representante Guarani, um Kaingang e uma secretária executiva, cargo e função designados pelo governo do Estado. A secretária executiva Sônia Lopes foi afastada do Cepi no dia 26 de outubro de 2011.
Santiago Franco, uma das lideranças do povo Guarani no Estado do Rio Grande do Sul, mesmo sem ter sido convidado para participar de reunião (27/10/2011) promovida pelo governo com os representantes dos agricultores e políticos, depois de ouvir os discursos contra os direitos indígenas, pediu permissão para falar e, com lamento, se pronunciou: "Se suspenderem as demarcações, que já têm processos muito demorados, qual será o futuro das comunidades indígenas? Vamos continuar por mais 100 anos em barracos de lonas, na beira das estradas? Essa atitude do governo em pedir a paralisação das demarcações vai afetar a nossa vida, vai matar mais o nosso povo".

É esta a solução que o governo do Estado do Rio Grande do Sul propõe para os problemas indígenas e quilombolas?

Porto Alegre, RS, 2 de novembro de 2011.
Roberto Antonio Liebgott
Cimi Regional Sul - Equipe Porto Alegre

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Ficção Científica e Ciência Fictícia


Compartilho aqui um texto do Eduardo Viveiros de Castro, publicado no Jornal do Brasil, lá pelos idos da década de 1990 (infelizmente na cópia xeros que tenho do artigo não tem a data correta), que trata de uma crítica à tese de Maria da Conceição Beltrão, que afirma uma antiguidade continuada da cultura Tukano na Chapada Diamantina, referenciada pelas pesquisas que a autora realizou sobre arte rupestre no referido local. Viveiros de Castro aponta para a confusão causada pela tal tese em função de afirmar tal coisa, já que isso não procede de forma alguma, sendo que as etnias contemporâneas dos grupos ameríndios não correspondem jamais à grupos etnicos tão recuados no passado, já que a autora se refere a uma datação de 40 mil anos para a existencia desses grupos na Chapada Diamantina, bem como recua a antiguidade do homem na América para 300 mil anos, o que contraria inclusive as datas que se tem para o surgimento do homem na Africa, apontando, dessa forma, para uma autoctonia americana do Homo Sapiens. Não li a tese da referida arqueóloga, mas confesso que aguçou minha curiosidade! Queria saber como e em que ela se baseou para afirmar tais coisas?
O risco de fazer analogias entre populações etnicas atuais e objetos de um passado remoto é sempre grande e perigoso, fazer analogias etnicas dentro de uma data tão recuada é praticamente um suicídio... É impossivel fazer tais afirmações, basta conhecer as diversas readaptações, sincretismos e transformações etnicas por que passaram os grupos ameríndios, assim como qualquer grupo social, para saber que não se pode sequer propor tal índice de continuidade etnica.
Bom, vou transcrever aqui a crítica de Viveiros de Castro, antropólogo do Museu Nacional:

O povo Tukano, que vive hoje no noroeste amazônico, dominava todo o Brasil há 40 mil anos. Ele foi o autor das pinturas encontradas na Chapada Diamantina, no sertão da Bahia, onde se acham vestígios de uma legendária cidade perdida. Além disso - mudando um pouco de assunto e de época - , os primeiros seres humanos já estavam na América há pelo menos 300 mil anos.

Tudo isso pôde ser lido em uma reportagem do Caderno B de 12 de março, sobre as pesquisas da arqueóloga Maria da Conceição Beltrão, do Museu Nacional (UFRJ). Como antropólogo e como professor do mesmo Museu Nacional, acho necessário dizer algo sobre as proposições acima, em atenção aos leitores deste jornal e em respeito à instituição e à comunidade científica de que sou membro.

A tese de que os Tukano teriam vivido na Bahia há 40 mil anos, e ainda por cima 'dominado o país', é pior que inverossímel. A idéia de que se possa determinar qualquer continuidade cultural ou linguística significativa entre uma sociedade atual e uma população que teria vivido há 40 mil anos é absurda , nas presentes condições do conhecimento científico. M. C. Beltrão parece ter chegado a esta idéia mediante uma interpretação imaginosa das pinturas rupestres baianas à luz de mitos Tukano, e talvez também por enxergar semelhanças entre tais pinturas e os petroglifos presentes no territorio Tukano atual.

A atribuição de conteúdos históricos objetivos a mitos é empresa espinhosa, exigindo um conhecimento profundo da cultura e da ecologia das sociedades em estudo; muitas tentativas análogas naufragaram na fantasia delirante. A profa. Beltrão, ao que me consta, nunca fez pesquisas entre os Tukano. Os mitos Tukano a que a professora alude, ademais, remetem a estruturas pan-amazônicas. A identificação étnica de motivos míticos disseminados na vasta é vária Amazônia é outra empresa de rendimento duvidoso, sobretudo se conduzida por amadores. Quanto aos petroglifos da área Tukano (vale do Alto Rio Negro), eles não foram feitos por este povo. Os Tukano são o último estrato de povoamento indígena da região, tendo sido precedidos por grupos de língua aruaque (que alí ainda vivem) e maku (idem). Os petroglifos se devem possivelmente aos aruaques, ou a populações anteriores. A mitologia Tukano fala de uma migração vinda do leste, do baixo curso do Amazonas, mas não me recordo de nenhuma referência na literatura a uma improbabilíssima migração anterior proveniente do sertão baiano. A distribuição geográfica das línguas da família Tukano bem como certas tradições orais sugerem, ao contrário, uma situação mais antiga a oeste do território atual, na região do Napo e Putumayo (Peru e Colômbia). Muitos traços da organização social e ritual Tukano foram assimilados das sociedades aruaques do Rio Negro. Utilizá-los, e à mitologia, para inferir origens e migrações é mais complicado do que parece supor a Profa. Beltrão.

Ao contrário do que diz a matéria, os Tukano não são hoje um bando de 'remanescentes que vivem aculturados no Pico da Neblina'. Sua população é de 26423 pessoas, segundo um censo recente. Deste total, 8691 vivem no Brasil (o restante na Colômbia), o que faz deste povo indígena o sexto maior do país. Quanto a viverem 'no Pico da Neblina', esta é uma informação falsa: o dito pico fica em área tradicional Baré (povo aruaque), hoje habitada a duras penas pelos Yanomamis. Quanto a estarem os Tukano 'aculturados', este é um juízo de valor antropológico nulo.

Sobre os 40 mil anos, e os 300 mil... Discutir estas datas é tarefa para arqueólogos e paleoantropólogos; sou especialista em sociedades pós colombianas. Alguns cientistas têm proposto datações anteriores ao limite tradicional de 12 mil anos para o povoamento das Américas: no momento, há uma controvérsia respeitável em torno de uma data de 50 mil anos para um sítio no sudeste do Piauí. Os 40 mil anos de Beltrão estariam, assim, dentro dos limites do discutível (no bom sentido); há que ver, é claro, como tal datação foi obtida, e repito que remeter qualquer cultura atual a esta época é pura fantasia. Se ainda não se conseguiu identificar etnicamente o povo que deixou o complexo arqueológico de Marajó, e que floresceu entre os anos 400 e 1300 de nossa era, imagine-se uma população que teria vivido há 40 mil anos.

Já os 300 mil anos de presença do homem nas Américas, bem, penso que nenhum arqueólogo competente e honesto (à parte, é claro, a Profa. Beltrão) se disporia a levar esta data a sério. A reportagem diz que tal tese 'causou indignação' na comunidade científica, 'especialmente a americana'. Não sei se indignação é a palavra mais adequada. E indignar os arqueólogos americanos não é garantia automática de verdade científica, como parece pensar a repórter. Surpreende-me ainda que pesquisadores que trabalham neste mesmo campo (nas Universidades Federais de Minas Gerais, Goiás, Rio Grande do Sul, na USP e na própria UFRJ) não tenham sido contatados pela reportagem do JB para opinar sobre a revolucionária data de 300 mil anos, que atribui maior antiguidade ao Homo Sapiens na América que na África, berço de nossa espécie - estariamos falando de autoctonia americana, tese ainda mais fantástica? Com a palavra os especialistas, que me parece já deveriam ter se pronunciado há mais tempo, pois esta não é a primeira ocasião emq ue a imprensa diária procura a Profa. Beltrão (ou vice-versa) para divulgar teorias de tal calibre. Aliás, o que pensam a Sociedade de Arqueologia Brasileira e a Associação Brasileira de Antropologia a respeito?
Quanto ao resto da reportagem: a 'cidade perdida', o coronel Fawcett e os índios 'kui-kuros' (ou melhor, Kuikúru, que na verdade são os Kalapalo - mas essa é uma outra história), bem, aqui passamos felizmente da ciência fictícia para a ficção científica. Saudades de Connan Doyle, e de Ridder Haggard (não 'Raidder-Haggard', por favor!)... Desejo todo o sucesso ao livro de arte e ao tratamento romanceado que a Profa. Beltrão e seu assistente pretendem dedicar à geologia da Chapada Diamantina.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Índios, no Plural


Compartilho um texto de Júlio Cezar Mellati, já antiguinho, mas ainda tão significativo.. Esse texto foi publicado primeiramente no Correio do Livro, da Editora da UNB

Há um quarto de século, quando escrevi Índios do Brasil, tinha, entre os vários objetivos desse livro de divulgação, a intenção de mostrar ao público como são diferentes entre si as distintas culturas indígenas. Talvez, por causa de seu plano de apresentação por tópicos (economia, parentesco, política, religião, arte, etc.), aquele propósito não tenha sido exposto de modo tão explícito quanto almejado.

Dada a boa recepção que teve o livro - está na sétima edição brasileira, além de contar com outra, mexicana - senti-me estimulado a trabalhar no tema da diversidade cultural e passei a desenvolver um programa pessoal de atividades que ne possibilitassem uma certa constância no tratamento do assunto.

Na tentativa de ganhar o estímulo de outras pessoas, optei por oferecer um curso de extensão, que não só me poria em contato direto com um público diferente (eu esperava alcançar os professores de história, geografia, educação moral e cívica etc. do primeiro e segundo graus), distinto dos alunos universitários regulares, mas também me obrigaria ao preparo de apostilas, cujo posterior aprimoramento poderia resultar num novo livro. Ofereci esse curso duas vezes, uma na Casa da Cultura da América Latina, da Universidade de Brasília, em 1992, e outra no Museu Antropológico da Universidade Federal de Goiás em 1993.

O que eu não esperava era que aqueles que procuraram o curso, em ambas oportunidades, fossem em sua maioria alunos universitários e, mais ainda, da área de Antropologia e afins. Mas consegui meu objetivo de preparar apostilas, num total de 230 páginas, que incluem um texto ainda precário, mapas, tabelas e bibliografia, que estão à espera de novas apresentações do curso que estimulem seu aprimoramento.

Como abordar a diversidade cultural? Em três dezenas de horas, que é o tempo mínimo de um curso de extensão, não é possível tratar, uma a uma, cada cultura indígena nos seus pormenores e peculiaridades. é preciso agrupá-las de alguma forma, mas sem se chegar ao extremo oposto, e justamente o que se quer evitar, de considerar todas num bloco.

Línguas aparentadas, semelhanças de costumes e instituições, adaptação a um mesmo ambiente, relações entre si e com populações integradas em estados de origem européia, serviram-me de critérios para distribuir as sociedades indígenas em um certo número de unidades distintas. Na verdade, utilizei-me dos mesmos critérios de Eduardo Galvão - que foi, diga-se de passagem, o primeiro professor de Antropologia da UnB - quando apresentou suas áreas culturais indígenas do Brasil na IV Reunião Brasileira de Antropologia, em Curitiba, em 1959. Imitei até mesmo sua resolução de se ater a um período histórico limitado, no seu caso a primeira metade do século XX e no meu, a segunda.


Mas há também pelo menos duas diferenças entre o modo de Galvão considerar as áreas e o meu. Uma delas, a julgar pela enumeração que faz dos itens culturais característicos de cada área e pela preocupação em apontar as exceções, é que ele parecia acreditar na possibilidade de se chegar a áreas culturalmente homogêneas. De minha parte, penso que as culturas não podem, como Galvão dá a impressão de fazer, ser dissolvidas numa unidade mais ampla, a área. Além disso, os critérios escolhidos correspondem como que a forças que não atuam todas na mesma direção, deixando o pesquisador que elabora uma divisão em áreas diante de pelo menos duas alternativas: ou agrupa na mesma área as culturas que se assemelham entre si, ou reúne as sociedades que convivem entre si.

Apenas um exemplo para tornar mais claro o que quero dizer: os Bororo de Mato Grosso e os Canela do Maranhão apresentam uma série de semelhanças - falam línguas do mesmo tronco macro-jê, vivem adaptados ao cerrado, têm aldeias circulares, deslocamento do marido para a casa materna da esposa, divisão em metades, etc. - que permitem incluí-los na mesma área cultural. Entretanto, os Bororo e os Canela não se encontram no seu dia a dia, uma vez que estão separados por aproximadamente 1200 km de distância.


No entanto, os Canela vivem próximo dos Guajajara, que encontram com frequência, com os quais já tiveram relações de hostilidade, hoje amistosas. Não obstante, os Guajajara falam um língua do tronco tupi, vivem na floresta, não têm aldeias circulares e nem divisão em metades, e a escolha de residência pelo novo marido depende de um jogo de forças entre seu pai e seu sogro. Se Canelas e Guajajaras não se parecem, em compensação se articulam. Aliás, convém ter em conta que, em muitos casos, sociedades indígenas se articulam, ajustam-se em simbioses, justamente porque são diferentes. São também conhecidos aqueles casos em que algumas sociedades deixam de desenvolver certas técnicas justamente para poder, através de trocas, obter os artefatos ou serviços produzidos com ajuda delas por seus vizinhos, estabelecendo assim uma articulação com eles.

Apesar disso, na divisão em áreas que apresento a seguir, incluí os Canela na mesma área dos Bororo (Tocantins - Xingu), deixando os Guajajara em outra (Pindaré - Xingu). Trata-se de uma escolha arbitrária. Na verdade, preferi pôr os Canela junto com os Bororo porque nesta segunda metade do século XX tanto uns quanto os outros têm feito parte de um conjunto de sociedades indígenas, ditas do Brasil Central, sobre as quais se tem desenvolvido mais um projeto comparativo. Ou seja, os etnólogos se acostumaram a vê-las juntas. Uma vez que uma boa dose de arbítrio fica nas mãos do etnólogo que propõe a divisão, preferi chamar essas áreas de etnográficas, ao invés de culturais.

A outra diferença entre a divisão de Galvão e a que aqui apresento é que a minha não se limita ao Brasil. Levando em conta que várias sociedades indígenas vivem em ambos os lados da fronteira entre o Brasil e outros países, resolvi estender as áreas etnográficas para toda a América do Sul, uma opção que contribui também para romper com a tendência dos pesquisadores brasileiros de limitarem seus interesses de pesquisa ao âmbito do território do país. Se não estendi a divisão para todas as três Américas, foi por receio de perder o estímulo de continuar perante tanto trabalho.

Ao examinar o mapa em anexo, o leitor notará que algumas das áreas sugeridas por mim são exatamente as mesmas propostas por Galvão; outras são desmembramentos delas, e ainda outras são expansões das áreas de Galvão para além da fronteira brasileira. Reconheço que nada há nelas que se pretenda definitivo. Embora haja razões para assim traça-las, há igualmente outras razões para desenhá-las de outra maneira.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Tem índio na Universidade!!!!


As preocupações que tenho quanto a inclusão e permanência desses estudantes indígenas na Universidade, é que a academia sempre se mostrou muito fechada aos saberes que ela desconhece, e estes alunos vêm pra Universidade trazendo na bagagem um conhecimento prático, rico, elaborado pelos anos de aplicação e eficácia em suas comunidades.

O saber indígena não é transmitido nas salas de aula, por um professor que fez curso superior para poder estar ali ensinando. Esses saberes são aprendidos durante toda a vida e de forma integrada, não é um saber fragmentado.
Aliás, a palavra 'ensinar' não existe no vocabulário Guarani, por exemplo, apenas o vocábulo equivalente a 'aprender', porque na concepção ameríndia, o ensinamento é na verdade o aprendizado de todos. E isso não tem um tempo definido para acontecer, ele acontece o tempo todo, durante a vida de cada indivíduo e de forma coletiva durante o convívio com a comunidade e a família.
Não são, portanto, concebidos saberes desconectados do todo, como acontece em nossa sociedade.

Isso faz uma grande diferença na forma de elaborar os pensamentos entre essas pessoas, que aprenderam a aprender em grupo, de forma coletiva e integrada ao mundo em que vivem.
Quando esses estudantes chegam aqui na Universidade, descobrem que terão de aprender a aprender de forma fragmentada, como indivíduos, e terão de mudar a forma de elaborar seus pensamento para apreender os novos conhecimentos que exigem uma nova estrutura psicológica para o aprendizado.
É aí que reside a preocupação: será que as Universidades estarão um dia equipadas para trabalharem corretamente com esses outros modos de elaboração filosófica de mundo?
Atualmente, não se tem preparo para receber estes alunos e respeitar essas suas maneiras de ser. O que acaba por acontecer é que a Universidade acaba impondo ao estudante indígena a sua maneira de agir e pensar, forçando-o a mudar para conseguir viver e conviver dentro dela. Mas, quando será que a Universidade vai estar pronta a mudar também para receber estes outros saberes?
É preocupante ver esses jovens que vem lá de suas famílias, muitas vezes desacostumados à correria das cidades e aos prazos curtos impostos pelos ocidentais para desenvolver trabalhos, leituras, artigos...
Essa é uma dinâmica nova em suas vidas. Eles começam a ter uma carga tensa de obrigações que antes não lhes aparecia dessa maneira, já que o trabalho coletivo, o aprendizado harmonizado com as tarefas do dia a dia, lhes fazia ter tempo para o trabalho e para o lazer, fazendo muitas vezes dos dois uma única coisa.
Aqui não é assim. A Academia trabalha com outra lógica de tempo, e esse tempo deve ser customizado, utilizado ao máximo, para dele extrair o máximo de produtos.
Aí está outra questão importante: trabalhamos com a idéia de produção para o excedente. Nós somos obrigados a produzir mais do que precisamos para poder suprir as demandas da sociedade como um todo, e isso está enraizado nas tarefas acadêmicas, que promovem a produção.
Esses estudantes, jovens, que estão começando a se envolver cada vez mais com nossas práticas de desenvolvimento tecnológico, produção em massa, consumo e descarte, começam a perceber as diferenças - principalmente na questão tempo - que os fazem diferentes de nossa sociedade. Essa sociedade desenvolvimentista, que não tem tempo a perder, porque qualquer momento de relaxamento é visto como tempo perdido para a produção.
Isso não acontece desassociado de um quesito muito importante: a competição.
Essa competição é acirrada, e não funciona como no jogo de frescobol, onde ambos jogadores ganham... Aqui a competição se dá de forma brutal, alguém terá de perder para que o outro ganhe. Para os estudantes já acostumados com esse ritmo louco de nossa sociedade, essa competição é vista como incentivadora, já que os fará buscar serem os melhores entre seus colegas para dentre eles se destacarem e ganharem mais espaços, verbas, bolsas, etc.
Entre os indígenas não funciona assim. Não há vantagens em ganhar ou perder, na verdade todos deveriam ganhar e aprender, então, eles se vêem forçados a mudarem inclusive suas concepções de valores para poderem sobreviver dentro dessas novas lógicas de poder.
Há de se pensar em tudo isso. Há de se pensar em como englobar esses saberes indígenas na Universidade sem que deles se roube o encanto.
Há de se pensar como incluir um aluno indígena sem que dele se exiga o desencanto...

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Lei 11.645/2008 - Abordagens para o conhecimento de uma outra história




A inclusão da história e cultura indígenas, assim como de outros grupos sociais e etnias, no currículo escolar brasileiro é um avanço, já que em termos da velha história 'oficial', engessada entre seus heróis e datas festivas relacionadas à feitos militares e políticos, que partiam apenas de uma via, ou seja, aquela que estava 'entronizada' no poder de Estado, hoje já não impera sozinha na construção da cidadania e do nacionalismo.
Hoje, outras vozes vêm compor o coro construtor de um conhecimento mais heterogêneo a respeito das diversas redes sociais, identitárias e etnicas que compuseram a criação de nosso país, bem como do próprio continente americano.
Mas, é preciso salientar que esse evento não surge isolado, nem vem a acontecer por benevolência do Estado ou algo parecido. Ele é fruto da insessante luta dos povos originários por adquirirem espaço e visibilidade dentro desta nação, que se construiu sobre seu território ancestral.
Lembrar que a América, e consequentemente o Brasil surgem a partir da conquista européia sobre outros povos que aqui já viviam a pelo menos 10.000 anos atrás, é pertinente para compreendermos também que estudar e ensinar a história indígena é estudar e ensinar a nossa história, a história do nosso continente.
Houve sempre, nos bancos escolares, a valorização da civilidade, vista esta como uma forma superior da organização social, e se partia do pressuposto que nós, ocidentais, herdeiros das tradições greco-romanas de formação social e do Direito, é que seriamos plenamente civilizados.
Outros povos, que partiam de preceitos sociais diferentes da herança européia, seriam selvagens, bárbaros, incivilizados e portanto, inferiores.
Essa idéia foi plenamente difundida nos bancos escolares, desde sua implantação na sociedade americana que surgia após a conquista, até os dias atuais.
As escolas modernas, surgem no século XX, trazendo ideiais positivistas, de progresso e de civilidade e superioridade da 'raça' branca, a partir da construção científica européia.
Os livros didáticos sempre trouxeram esses ideais muito bem ilustrados em suas páginas, apresentando alguns grupos sociais ou pessoas como fora do padrão de civilidade esperado.
Negros e índios apareciam em determinados períodos da história do Brasil colonial, como meros apêndices - os negros, escravizados, que trabalhavam sob jugo para os Senhores brancos, e os índios como indolentes e preguiçosos, eram indisciplinados demais e fugiam ao trabalho nas lavouras e engenhos de açucar.
Esse senso comum foi se criando e se enraizando nas mentes brasileiras, como se o fato do indígena não se deixar escravizar o tornaria indigno, preguiçoso, maculado (o que não é verdade, pois a própria história confirma que índios foram escravizados sim, muitos foram levados de suas aldeias como escravos e dessa forma participaram da construção das regiões mais desenvolvidas do país hoje - sul e sudeste, vide John Manuel Monteiro em seu livro Negros da Terra).
E quanto a escravização dos negros, que vinham forçados da África, esta aparecia como algo necessário - embora violento e brutal - ao desenvolvimento da Colônia, e portanto o Brasil devia seu crescimento economico aos escravos, porém, não valorizando devidamente o trabalho e a contribuição cultural desses povos que literalmente deram seu sangue nesta terra.
Aos índios sempre sobraram algumas páginas de curiosidades, onde se falavam nos seus 'costumes' de forma generalizada, sem contudo abordar o fato deles terem sempre lutado contra a ocupação européia de suas terras ancestrais. Este é um assunto bastante delicado e não considerado relevante nesse tipo de história, que tenta afirmar o poder dos dominantes e abafar as vozes dos que devem ser dominados.
A negação de um grupo humano, seja ele identitário ou social, sua invisibilização e inferiorização pelo senso comum e pela ciência dita 'moderna' - coloco esta expressão entre aspas, porque relativizo a categoria 'ciência' como sendo apenas o conhecimento hegemônico criado pelas sociedades ditas modernas (vide Bruno Latour em seu livro Jamais fomos Modernos) considerando as ciências das sociedades originárias ou tradicionais tão científicas quanto a das sociedades cristã-ocidentais - é uma forma eficaz para o extermínio físico dessas pessoas.
Atitudes desse tipo foram implementadas por partidos nazistas e fascistas e ainda hoje justificam atitudes brutais de eliminação etnica em muitos setores sociais. Ou seja, a discriminação e o preconceito são ensinados nos bancos escolares. E a escola, sejamos francos, é uma instituição disciplinadora dos corpos e mentes (vide Michel Foucault em seu livro Vigiar e Punir), nos moldes daquilo que Foucault chamou de 'poder', onde somos moldados pelos espaços que frequentamos e vivemos. Somos doutrinados de acordo com a ordem social vigente e reagimos à isso de forma passiva na maioria das vezes, sem nem nos darmos conta do poder que essas forças sociais exercem sobre nossos atos.
A mídia tem um poder avassalador na formação da opinião pública, e infelizmente os canais populares da mídia nem sempre apresentam as realidades de outras vozes que não aquelas que estão no poder (dominantes).
Reforçam, dessa forma, uma idéia equivocada sobre a existência de outras etnias e culturas no país, bem como auxilia no processo de exclusão social, quando aponta negativamente os movimentos sociais.
Há outras formas de informação midiática que apontam para outros lados, porém estas não têm uma repercussão tão intensa, já que a mídia 'alternativa' não atinge a massa popular, onde infelizmente reside a maioria dos escolares.
Fazer este balanço da forma como é ensinado na escola e através de outros veículos que formam nossa opinião a respeito da vida e do mundo em que vivemos, é uma maneira de mostrar como podemos nos deixar manipular pela ordem vigente. Mas, se quisermos olhar em volta, somos bastante capazes de perceber que o mundo em que vivemos é mais colorido e diversificado que nos vem sendo apresentado, e aí está a diferença: podemos e temos poder de mudar as coisas, basta querer ver e querer mudar.
Com a implantação no novas, que colocam em check o velho currículo escolar conteudista já podemos perceber algumas mudanças, embora estas ainda sejam tênues.
Com o ingresso de indígenas e afrodescendentes nas universidades, logo teremos profissionais com outras visões de mundo ingressando no mercado de trabalho e talvez isso já comece a fazer alguma diferença...
A esperança que um outro mundo seja realmente possível é o que me faz continuar trabalhando pra isso.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Rompendo os aramados que separam as fronteiras.....


Pois então, este texto é para me dar uma luz. Preciso de uma luz urgente para escrever sobre o ingresso dos estudantes indígenas na universidade. Mas, lembrando bem, não basta apenas dar possibilidades de ingressar, tem de haver recursos, condições favoráveis à permanência e bom aproveitamento dos cursos que estes meninos e meninas escolheram para mudarem suas vidas. E aí está a questão mais difícil de lidar: a mudança. A mudança de cidade, de estilo de vida, de amigos, de estrutura emocional. Essas pessoas saem de um mundo muito diferente do mundo vivido pela academia. Lá, nas suas aldeias, com suas familias, seus amigos - seus inimigos também, infelizmente...- eles têm segurança, eles conhecem o que os cerca. Aqui na academia não, é tudo novo, tudo diferente.... É exigido um comportamento 'aceitável' nas salas de aula, nos corredores, no bar... seu jeito simples, seu sorriso largo, sua fala calma se torna um motivo para a desconfiança dos colegas, professores e demais viventes que circulam nas academias da vida... Porque? Porque são índios. Essa marca que os torna diferentes e distantes dos demais cidadãos brasileiros. Mas, será que eles são tão diferentes assim? Será que porque falam uma lingua diferente do português quando estão em seus grupos eles não são tão iguais a mim ou a vocês que estão lendo este texto? Eles também falam nosso português, e muitas vezes, falam outros idiomas ameríndios também.... são poliglotas, portanto, e com certeza, falam mais linguas do que eu que escrevo essas linhas. No entanto, há quem os rotule de 'incapazes', pouco inteligentes, negligentes como estudantes... e outras coisas mais, para descaracterizar o seu direito de estar frequentando os bancos academicos no mesmo pé de igualdade que qualquer outro aluno de curso superior. Dificuldades? Ah, sim, eles tem muitas. Principalmente aqueles alunos que se aventuram pelas áreas da saúde, como cursos de medicina e enfermagem. Mas, pergunto: quem no primeiro ano de medicina não tem dificuldades com os termos, com a quantidade de leituras? O fato desses estudantes virem, na sua maioria, de uma escola pública, muitas vezes precária - pois as escolas indígenas não são bem estruturadas para dar suporte ao modelo que temos no ensino superior - não é levado em conta quando professores os classificam como alunos inferiores aos outros na sala de aula. Os estudantes indígenas vem pra Universidade com outras perspectivas, que não são as mesmas dos estudantes não-índios. A realidade deles é muito diferente da que um garoto ou garota que viveu na cidade sua vida inteira, que teve pais que os colocaram em bons colégios, e até fizeram cursinho pré-ENEN / Vestibular para ingressarem na universidade. Essas pessoas, muitas vezes vem de lugares bastante distantes das cidades. Tem, da mesma forma, uma trajetória de dificuldades financieras e psicológicas que o afastam do 'lugar-comum' do estudante universitário, já que essa realidade só está se apresentando para essas pessoas a muito pouco tempo. As noções e necessidades que trazem esses alunos para a universidade são tão diversas das que trazem os tradicionais estudantes que já desde muito ocupam as cadeiras escolares e universitárias no Brasil. Hoje temos essa realidade: indígenas que tem direito a vagas universitárias. Mas, não era assim há alguns poucos anos atrás. Essas pessoas, corajosas, lutadoras, conhecem uma realidade brasileira bem diversa da maioria dos alunos que estão na Universidade, e que sempre estiveram lá. A realidade de professores, acadêmicos, pesquisadores, que estão lá na Universidade ocupando seus gabinetes, suas salas de pesquisa, com seus computadores e equipamentos de alta tecnologia, desconhecem a realildade de uma comunidade indígena, com suas hortas, seus animais, sua mata, sua vida livre, porém com seus problemas, suas angústias, suas recusas... Pois, falamos aqui de pessoas que conhecem uma vida muito mais real do que muitos desses professores, falamos aqui de gente que já sofreu expulsão de suas terras, fome, exclusão, preconceitos de vários tipos. Essa gente brava, vem há mais de 500 anos defendendo seus direitos, sua identidade, sua terra, e só agora lhes é concedido o direito de estudarem as tecnologias dos 'brancos'. E essa tecnologia, essa ciência acadêmica vai ser colocada a disposição das suas comunidades. Nenhum aluno indígena vem pra universidade pensando somente nele, eles vem pensando em suas familias, em sua comunidade, em retornar com conhecimento a mais para ajudar lá na aldeia, ajudar nas demandas que se fazem tão necessárias e urgentes para melhorar a vida daquelas pessoas que os estão esperando para realizar coisas boas para eles. Os povos indígenas sempre foram denegridos pela história brasileira, que os apresentou como secundários e pouco ativos na formação de toda essa nação. Hoje eles vem reinvindicar seu lugar nessa história, e ocupar os lugares que lhes cabe na sociedade brasileira. Mas, o preconceito permanece muito enraizado, e os olhares sobre essas pessoas ainda os marginaliza, ainda os coloca numa patamar inferiorizado diante daquilo que é visto como o 'ser brasileiro, ser cidadão'. As ciências e conhecimentos de seus ancestrais, que ainda são utilizados e resolvem seus problemas nas suas terras - muitas vezes com mais eficácia do que muitos projetos cinetíficos implementados pelo Governo e que não dão bons resultados - não são reconhecidos pela academia como um tipo de 'fazer ciência', mas é visto sim como fetiches e crendices, não sendo levados à sério pelos notórios nomes da ciência acadêmica. Estes e tantos outros elementos nos levam a perceber que os estudantes indígenas que vem pra universidade tem tanto a nos ensinar quanto a aprender conosco. A questão está em o quanto estamos abertos - como eles estão - para esse novo aprendizado. Isto sim será um desafio para os cristãos - ocidentais modernos.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Não existe a História do 'Se'....


Lendo o texto do Veríssimo, sobre as versões de sim mesmo do personagem que ele retrata, fiquei pensando naquela velha história do 'se'... Se Hitler não tivesse sido eleito.... Se o Brasil não tivesse sido encontrado pelas naus portuguesas.... Se....
Se tantas coisas não tivessem acontecido... outras teriam...
E quem disse que seriam melhores ou poires? Apenas seriam diferentes e os rumos da história seriam outros... ou quem sabe... lá pelas tantas... algo aconteceria e os rumos seriam semelhantes ao que foram e são. As vidas das pessoas não são regidas pelo que elas poderiam ter sido, mas pelo que são e foram. Nossas escolhas são arbitrárias e assim fazemos nós mesmos a nossa história. Claro que podemos nos arrepender de coisas, achar que poderiamos ter feito melhor ou diferente... faz parte do aprendizado, para que posssamos crescer e mudar. Mas, jamais vamos mudar o passado.
Então pra que ele serve? Para mudar o futuro.
É no futuro que temos de colocar nossas energias e buscar o melhor pra nós e pro mundo. Se apegar aos 'ses' que não foram em nossa vida só nos faz parar e lamentar...e chorar...e não andarmos pra frente. Então, que se vamos adelante... Olhar o futuro, olhar a mudança como algo a ser conquistado e nunca, jamais lamentar o que não foi. Se não foi é por que não era pra ter sido mesmo. A escolha que fizemos foi esta, e se a fizemos vamos arcar com as consequências da coisa.... Há sempre um motivo lá na frente para que possamos sorrir, mesmo que no passado a gente tenha chorado. Algumas coisas do passado, quando não nos trazem alegrias, devem mesmo ser deixadas lá, no seu baú... para sempre... para lembrarmos de não repetirmos as mesmas escolhas... e partirmos para escolhas melhores.

VERSÕES DE MIM



por: Luiz Fernando Veríssimo

Vivemos cercados pelas nossas alternativas, pelo que podíamos ter sido.

Ah, se apenas tivéssemos acertado aquele número, (unzinho e eu ganhava a sena acumulada), topado aquele emprego, completado aquele curso, chegado antes, chegado depois, dito sim, dito não, ido para Londrina, casado com a Doralice, feito aquele teste…

Agora mesmo neste bar imaginário em que estou bebendo para esquecer o que não fiz – aliás, o nome do bar é Imaginário – sentou um cara do meu lado direito e se apresentou:

- Eu sou você, se tivesse feito aquele teste no Botafogo
E ele tem mesmo a minha idade e a minha cara. E o mesmo desconsolo.
-Por que? Sua vida não foi melhor do que a minha?
-Durante um certo tempo, foi. Cheguei a titular. Cheguei a seleção. Fiz um grande contrato. Levava uma grande vida. Até que um dia.
-Eu sei, eu sei… disse alguém sentado ao lado dele.
Olhamos para o intrometido. Tinha a nossa idade e a nossa cara e não parecia mais feliz do que nós. Ele continuou:

- Você hesitou entre sair e não sair do gol. Não saiu, levou o único gol do jogo, caiu em desgraça, largou o futebol e foi ser um medíocre propagandista.
- Como é que você sabe?
- Eu sou você, se tivesse saído do gol. Não só peguei a bola como me mandei para o ataque com tanta perfeição que fizemos o gol da vitória. Fui considerado o herói do jogo. No jogo seguinte, hesitei entre me atirar nos pés de um atacante e não me atirar. Como era um herói, me atirei. Levei um chute na cabeça. Não pude ser mais nada. Nem propagandista. Ganho uma miséria do INSS e só faço isto: bebo e me queixo da vida. Se não tivesse ido nos pés do atacante.

Ele chutaria para fora. Quem falou foi o outro sósia nosso, ao lado dele, que em seguida se apresentou.

- Eu sou você se não tivesse ido naquela bola. Não faria diferença. Não seria gol. Minha carreira continuou. Fiquei cada vez mais famoso, e agora com fama de sortudo também. Fui vendido para o futebol europeu, por uma fábula. O primeiro goleiro brasileiro a ir jogar na Europa. Embarquei com festa no Rio…

- E o que aconteceu? perguntamos os três em uníssono.
- Lembra aquele avião da VARIG que caiu na chegada em Paris?
- Você…
- Morri com 28 anos.
- Bem que tínhamos notado sua palidez.
- Pensando bem, foi melhor não fazer aquele teste no Botafogo…
- E ter levado o chute na cabeça…
- Foi melhor, continuou, ter ido fazer o concurso para o serviço público naquele dia. Ah, se eu tivesse passado.
- Você deve estar brincando.
Disse alguém sentado a minha esquerda. Tinha a minha cara, mas parecia mais velho e desanimado.
- Quem é você?
- Eu sou você, se tivesse entrado para o serviço público.

Vi que todas as banquetas do bar à esquerda dele estavam ocupadas por versões de mim no serviço público, uma mais desiludida do que a outra. As conseqüências de anos de decisões erradas, alianças fracassadas, pequenas traições, promoções negadas e frustração.

Olhei em volta. Eu lotava o bar.

Todas as mesas estavam ocupadas por minhas alternativas e nenhuma parecia estar contente. Comentei com o barman que, no fim, quem estava com o melhor aspecto, ali,era eu mesmo. O barman fez que sim com a cabeça, tristemente.
Só então notei que ele também tinha a minha cara, só com mais rugas.

- Quem é você? perguntei.
- Eu sou você, se tivesse casado com a Doralice.
- E..?

Ele não respondeu. Só fez um sinal, com o dedão virado para baixo.
Creio que a vida não é feita das decisões que você não toma, ou as atitudes que você NÃO teve, mas sim, aquilo que foi feito!

Se bom ou não, penso, é melhor viver do futuro que do passado!

Hoje eu sei que eu sou a melhor versao de mim mesmo!

quarta-feira, 6 de abril de 2011

VIVER DESPENTEADA

Adoro ser uma mulher bem despenteada.....


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Hoje aprendi que é preciso deixar que a vida te despenteie,
por isso decidi aproveitar a vida com mais intensidade...
O mundo é louco, definitivamente louco...
O que é gostoso, engorda. O que é lindo, custa caro.
O sol que ilumina o teu rosto enruga.
E o que é realmente bom dessa vida, despenteia...
- Fazer amor, despenteia.
- Rir às gargalhadas, despenteia.
- Viajar, voar, correr, entrar no mar, despenteia.
- Tirar a roupa, despenteia.
- Beijar à pessoa amada, despenteia.
- Brincar, despenteia.
- Cantar até ficar sem ar, despenteia.
- Dançar até duvidar se foi boa idéia colocar aqueles saltos gigantes essa noite, deixa seu cabelo irreconhecível...

Então, como sempre, cada vez que nos vejamos
eu vou estar com o cabelo bagunçado...
mas pode ter certeza que estarei passando pelo momento mais feliz da minha vida.
É a lei da vida: sempre vai estar mais despenteada a mulher que decide ir no primeiro carrinho da montanha russa, que aquela que decide não subir.

Pode ser que me sinta tentada a ser uma mulher impecável,
toda arrumada por dentro e por fora.
O aviso de páginas amarelas deste mundo exige boa presença:
Arrume o cabelo, coloque, tire, compre, corra, emagreça,
coma coisas saudáveis, caminhe direito, fique séria...
e talvez deveria seguir as instruções, mas
quando vão me dar a ordem de ser feliz?
Por acaso não se dão conta que para ficar bonita
eu tenha que me sentir bonita...
A pessoa mais bonita que posso ser!
O único, o que realmente importa é que ao me olhar no espelho, veja a mulher que devo ser.
Por isso, minha recomendação a todas as mulheres:

Entregue-se, coma coisas gostosas, beije, abrace, dance, apaixone-se, relaxe, viaje, pule, durma tarde, acorde cedo, corra, voe, cante, arrume-se para ficar linda, arrume-se para ficar confortável!
Admire a paisagem, aproveite,
e acima de tudo,
deixa a vida te despentear!

O pior que pode acontecer é que, rindo frente ao espelho, você precise se pentear de novo...




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sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Mulheres Imperfeitas....

Buenas.... uma pausa nas histórias de minhas tatoos....
Esse texto da Martha Medeiros nunca foi tão perfeito pra mim como nesse momento... Principalmente no quesito 'Aprenda a dizer NÃO!!!' e NÃO SE SINTA CULPADA POR DIZER NÃO!!!!.
Dizer não é preciso... para se ter uma vida melhor... acreditem!!!!

'Eu não sirvo de exemplo para nada, mas, se você quer saber se isso é possível, me ofereço como piloto de testes.

Sou a Miss Imperfeita, muito prazer. A imperfeita que faz tudo o que precisa fazer, como boa profissional, mãe, filha e mulher que também sou: trabalho todos os dias, ganho minha grana, vou ao supermercado, decido o cardápio das refeições, cuido dos filhos, telefono sempre para minha mãe, procuro minhas amigas, namoro, viajo, vou ao cinema, pago minhas contas, respondo a toneladas de e mails, faço revisões no dentista, mamografia, caminho meia hora diariamente, compro flores para casa, providencio os consertos domésticos e ainda faço as unhas e depilação!

E, entre uma coisa e outra, leio livros.

Portanto, sou ocupada, mas não uma workholic.

Por mais disciplinada e responsável que eu seja, aprendi duas coi sinhas que operam milagres.

Primeiro: a dizer NÃO.

Segundo: a não sentir um pingo de culpa por dizer NÃO.

Existe a Coca Zero, o Fome Zero, o Recruta Zero.
Pois inclua na sua lista a Culpa Zero.

Quando você nasceu, nenhum profeta adentrou a sala da maternidade e lhe apontou o dedo dizendo que a partir daquele momento você seria modelo para os outros..

Seu pai e sua mãe, acredite, não tiveram essa expectativa: tudo o que desejaram é que você não chorasse muito durante as madrugadas e mamasse direitinho.

Você não é Nossa Senhora.

Você é, humildemente, uma mulher.

E, se não aprender a delegar, a priorizar e a se divertir, bye-bye vida interessante. Porque vida interessante não é ter a agenda lotada, não é ser sempre politicamente correta, não é topar qualquer projeto por dinheiro, não é atender a todos e criar para si a falsa impressão de ser indispensável. É ter tempo.

Tempo para fazer nada.

Tempo para fazer tudo.

Tempo para dançar sozinha na sala.

Tempo para bisbilhotar uma loja de discos.

Tempo para sumir dois dias com seu amor.

Três dias..

Cinco dias!

Tempo para uma massagem..

Tempo para ver a novela.

Tempo para receber aquela sua amiga que é consultora de produtos de beleza.

Tempo para fazer um trabalho voluntário.

Tempo para procurar um abajur novo para seu quarto.

Tempo para conhecer outras pessoas.

Voltar a estudar.

Tempo para escrever um livro que você nem sabe se um dia será editado.

Tempo, principalmente, para descobrir que você pode ser perfeitamente organizada e profissional sem deixar de existir.

Porque nossa existência não é contabilizada por um relógio de ponto ou pela quantidade de memorandos virtuais que atolam nossa caixa postal.

Existir, a que será que se destina?

Destina-se a ter o tempo a favor, e não contra.

A mulher moderna anda muito antiga. Acredita que, se não for super, se não for mega, se não for uma executiva ISO 9000, não será bem avaliada. Está tentando provar não-sei-o-quê para não-sei-quem.

Precisa respeitar o mosaico de si mesma, privilegiar cada pedacinho de si.

Se o trabalho é um pedação de sua vida, ótimo!

Nada é mais elegante, charmoso e inteligente do que ser independente.

Mulher que se sustenta fica muito mais sexy e muito mais livre para ir e vir. Desde que lembre de separar alguns bons momentos da semana para usufruir essa independência, senão é escravidão, a mesma que nos mantinha trancafiadas em casa, espiando a vida pela janela.

Desacelerar tem um custo. Talvez seja preciso esquecer a bolsa Prada, o hotel decorado pelo Philippe Starck e o batom da M.A.C.
Mas, se você precisa vender a alma ao diabo para ter tudo isso, francamente, está precisando rever seus valores.

E descobrir que uma bolsa de palha, uma pousadinha rústica à beira-mar e o rosto lavado (ok, esqueça o rosto lavado) podem ser prazeres cinco estrelas e nos dar uma nova perspectiva sobre o que é, afinal, uma vida interessante'